José Horta Manzano
Dou uma vista d’olhos na edição online dos principais veículos da mídia internacional. Em todas as línguas, o mundo continua horrorizado com a tragédia de Pernambuco. Os relatos vêm sempre acompanhados de fotos impactantes e da contagem macabra dos mortos.
Dou uma espiada na edição online dos grandes veículos da mídia brasileira. Na manchete e nas chamadas da página principal, nem um pio sobre as enchentes. Nada. Quem quiser ter alguma informação tem de fazer uma busca. No Brasil, o desastre pernambucano parece assunto encerrado.
Fica a impressão de que, para a mídia nacional, nem Recife nem Pernambuco fazem parte do território brasileiro. É como se a tragédia tivesse acontecido no Nepal ou na Mongólia, num lugar longínquo e pouco interessante.
É verdade que, comparados às seiscentas e tantas mil vítimas da covid, a centena de mortos de Pernambuco parece pouca coisa. Mas não se pode raciocinar assim. Embora “todo o mundo tenha que morrer”, como ensinou nosso capitão, cada um que se vai deixa um rastro de tristeza. Um marido, uma esposa, filhos, amigos, uma família desamparada. Quando não é a família inteira que desaparece ao mesmo tempo.
Fica claro que o Brasil já virou a página dessa tragédia. Eu me pergunto o porquê desse desinteresse. Por que razão esses sinistrados saíram do foco das atenções tão rapidamente? Gostaria que a razão não fosse aquela que estou adivinhando, mas acho que é isso mesmo: porque são pobres.
Não há de acontecer, mas me pergunto se, por hipótese, um desastre semelhante atingisse um bairro de gente fina – como a região da Vieira Souto, da Oscar Freire ou outra equivalente – se a indiferença seria a mesma.
Acredito que todos nós temos a resposta. A olhos estrangeiros, a desigualdade que cinge a sociedade brasileira sobe a níveis inimagináveis. Até tragédias recebem tratamento diferenciado, dependendo da posição social dos atingidos.
O Artigo 3° de nossa Constituição enumera os quatro objetivos fundamentais da República. O primeiro deles é “construir uma sociedade livre, justa e solidária”.
Falta muito pra chegarmos lá. Se é que um dia chegaremos.
É que estamos sempre enxugando gelo e atuando para apagar novos incêndios. No dia seguinte a uma tragédia, temos outra saindo do forno quentinha. A manchete de hoje, por exemplo, é referente a uma menina (evidentemente negra e de periferia) de 4 anos que foi baleada na cabeça, na saída da escola.
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Tem razão, é o rosário de tragédias a se sucederem em moto-perpétuo que faz que cada desastre encubra o precedente.
Assim mesmo, umas calamidades comovem mais que outras. Desgraças estrangeiras são cultuadas com especial atenção. Quanto às nacionais, as que envolvem gente de andar mais elevado atraem mais que as que fazem vítimas no porão.
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