José Horta Manzano
Você sabia?
O chinês
Entre 1850 e os primeiros anos do século XX, a China viveu tempos confusos. A extensão do território e a precariedade dos meios de comunicação dificultavam o controle e a imposição da autoridade central.
O Japão e as potências europeias aproveitaram a desordem para tirar uma casquinha aqui e ali. Ao cabo da primeira guerra sino-japonesa, ganha pelo País do Sol Levante, a China teve de entregar Taiwan e outros arquipélagos que interessavam ao vencedor. Os ingleses obtiveram uma concessão de soberania por 99 anos sobre um naco de terra adjacente a Hong Kong.
A Rússia, a Alemanha, o Império Austro-Húngaro também se aproveitaram daqueles tempos para fazer valer seus interesses políticos e comerciais. Em 1911-1912, com o fim do regime imperial, foi proclamada a república. Mas muita água ainda teve de passar sob as pontes do Rio Yangtzé antes que o país se estabilizasse.
Em 1909, no ocaso do regime imperial chinês, o Brasil recebeu uma comitiva vinda de Pequim. Era encabeçada pelo príncipe Liu She-Shun, representante de Sua Majestade. O príncipe tinha duas missões: por um lado, buscava firmar acordos comerciais; por outro, tentava convencer o governo dos Estados Unidos do Brazil a aceitar imigração de mão de obra chinesa.
O senhor Liu, recebido com todas as honras devidas a tão ilustre visitante, esteve no Rio de Janeiro e em São Paulo. Nesta última cidade, deu uma passada pelos cartões postais de então, incluindo uma inevitável visita à Escola Normal ― orgulho do nascente magistério republicano. Foi saudado em francês, como se usava na época. E em francês respondeu.
Um ano antes da visita do príncipe, a primeira leva de imigrantes japoneses já havia aportado a Santos. Pode ter sido porque os japoneses estavam sendo bem avaliados por seus empregadores, pode também ter sido porque a instabilidade da China atrapalhava ― o fato é que o pleito do embaixador chinês gorou. Não se estabeleceu uma corrente contínua de imigração de chineses para o Brasil.
Os mapas
Era grande a cobiça que a China, desorganizada, despertava em potências estrangeiras. Os chineses se ressentiam da situação. Um exemplo é o mapa abaixo, onde países são representados por animais indesejados, cada qual carregando seu estandarte.
As bandeiras são um tanto fantasiosas, assim mesmo dá para distinguir a Itália, a Suíça, a Suécia, a Hungria. A águia americana aparece também.
Naqueles tempos, a totalidade da península indochinesa ― aquela tripa de continente onde hoje estão o Vietnã, o Cambodja, o Laos ― era colônia francesa. É por isso que, no mapa, a França aparece simbolizada por uma rã assentada sobre a Indochina e prestes a agarrar a China. Por que uma rã? Porque o francês é apelidado de frog (=sapo) pelos ingleses. O apelido pejorativo vem do fato de os gauleses terem o surpreendente hábito de comer pernas arrancadas de rãs vivas. Para quem não está habituado, it’s really shocking, é chocante.
Para completar o capítulo geográfico, uma curiosidade. Cada um de nós sente que é o centro do universo. É natural, it’s human nature. Pois o mesmo ocorre com nações e países. Quando desenhamos um mapa-múndi, pomos o nosso país no centro e o resto em volta. Estamos acostumados a ver as Américas à esquerda, a Europa à direita e o Oceano Atlântico no meio. A China e o Japão quase caem do mapa.
Os chineses sofrem do mesmo mal. Sentem, eles também, que são o centro do mundo. Você já viu um planisfério chinês? Veja então os dois que reproduzo acima. A China está localizada no meio do mapa. A Europa fica na extrema esquerda e as Américas se situam na extrema direita, com o Brasil quase caindo do mapa.
Cada um vê o mundo com seus óculos.
Nota
Embora representem variedades do mesmo animal, os termos sapo, rã e perereca são intercambiáveis no falar brasileiro.
Artigo publicado originalmente em 15 jan° 2014
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