José Horta Manzano
Quando uma afirmação é martelada repetidas vezes, é sinal de que não há grande certeza de ela ser verdadeira. Tomando a coisa pelo avesso: quando a gente tem certeza de algo, não sente necessidade de ficar repetindo o tempo todo.
A Constituição que reinstaurou a democracia plena em nosso país completou 30 anos faz algumas semanas. Os mais jovens nem fazem ideia de como poderia ser um regime não democrático. Parece até que o atual regime faz parte dos direitos adquiridos da população.
No entanto, não se passa um dia sem algum figurão repetir que «nossa democracia está consolidada» ou que «nossas instituições funcionam». É tão frequente ouvir isso, que a gente se pergunta se essa tal democracia está tão consolidada assim. Fica a impressão de que a repetição do mantra faz parte de um exorcismo, um ritual de esconjuro celebrado pra afugentar todo risco de retrocesso.
Esta semana, a Constituição espanhola completou 40 aninhos. Ela marcou o fim de longo período de ditadura franquista. A data foi celebrada como se deve. O rei atual, o rei emérito e todos os primeiros-ministros ainda vivos estiveram no parlamento para a ocasião. Em fala solene, Dom Felipe VI mandou: «Nuestra democracia es firme y consolidada!».
Liguei uma coisa à outra. Entendi que, no país das touradas, também parecem estar esconjurando um retrocesso. Se o próprio rei acha necessário sublinhar que a democracia é um bem adquirido, sólido, seguro e garantido, é justamente porque não tem tanta certeza assim quanto à perenidade da situação.
Dá pra imaginar Theresa May, Donald Trump ou Angela Merkel afirmarem algo parecido com «Nossa democracia é firme e consolidada»?