José Horta Manzano
Como outras emissoras de tevê, France 2 ‒ o segundo canal francês pelo critério de audiência ‒ apresenta todos os dias um programa matinal de variedades que vai das 6h30 às 9h30, entremeado por entrevistas e notícias.
O bloco de entrevistas se chama Les 4 vérités ‒ As 4 verdades, dura uma dezena de minutos e recebe um convidado por dia. Nesta quinta-feira, foi entrevistada Marine Le Pen, presidente do Rassemblement National, o principal partido da extrema direita francesa. Ela foi finalista nas últimas eleições presidenciais, perdidas no segundo turno para Emmanuel Macron.
O assunto central da entrevista eram as relações entre Madame Le Pen e Signor Matteo Salvini, político de extrema direita e Ministro do Interior da Itália. Assim mesmo, logo na abertura, a entrevistadora quis saber que olhar lança a figura política francesa sobre doutor Bolsonaro, político de extrema direita (segundo a condutora da entrevista) que acaba de passar ao segundo turno das eleições brasileiras.
Decepcionaram-se os que imaginavam que Marine Le Pen fosse saltar sobre a ocasião de agregar um membro a seu clube de extremistas. Num surpreendente momento de lucidez, Madame afastou esse cálice. Disse que não vê por que Monsieur Bolsonaro seria um candidato de extrema direita. E aproveitou para alfinetar a mídia francesa: «A cada vez que alguém diz coisas desagradáveis, é logo etiquetado como de extrema direita».
Acrescentou que as falas desagradáveis de doutor Bolsonaro não podem ser transpostas tal e qual à França porque são fruto de um povo diferente, de uma história diferente, de uma cultura diferente. Ainda deu um pito: «Procuramos sempre julgar e avaliar o que acontece no exterior segundo nossa própria cultura. É um erro». (Foi maneira sutil de dizer que maus modos são coisa de gente subdesenvolvida.)
Completou ensinando que os votos dados a doutor Bolsonaro são um sinal de que o que preocupa os brasileiros é a insegurança. Mencionou nossos 60 mil homicídios anuais e comparou com os 700 assassinatos que ocorrem na França.
Na política francesa, Marine Le Pen não é vista como um luminar. Antes, seu fracasso estrondoso nas últimas presidenciais é atribuído ao desempenho desastroso que mostrou durante o último debate na tevê, quando enfrentou Monsieur Macron. Eu assisti e posso confirmar que foi constrangedor. Confusa e perdida em suas anotações, Madame lembrava doutora Rousseff.
No entanto, foi uma surpresa a lucidez da análise que fez da figura de doutor Bolsonaro. Diferentemente do grosso da mídia europeia, ela não considera que o candidato seja de extrema direita. Por não estar devidamente familiarizada com a Operação Lava a Jato, só falou em problemas de insegurança. Assim mesmo, repeliu a (falsa) ideia de que uma «onda de extrema direita» está varrendo o maior país da América Latina. Enxergou em nosso presidenciável apenas um indivíduo grosseiro. Ponto pra ela.