José Horta Manzano
Suíço é povo muito confiado. Não emprego esse termo ― confiado ― no sentido familiar, que a gente às vezes usa pra designar gente «entrona» ou «pidona», gente que não se acanha de entrar onde for nem de pedir favores. Uso a palavra no sentido próprio. Quero dizer que os suíços têm confiança.
Confiam nas autoridades, nas instituições, na Justiça, nas leis, na honestidade do próximo, no patrão, no médico, no chefe, nos governantes. Para quem vive no Brasil, pode parecer desconcertante, mas assim é.
Essa certeza de que, respeitando as regras, tudo há de dar certo não deixa de ser ponto positivo. No entanto, quando é excessiva, essa segurança pode ser perigosa. Todo excesso é, em princípio, pernicioso.
Cá, com lá, temos passagens para pedestres, daquelas sinalizadas por faixas amarelas cruzando o asfalto. Pedestre que atravessa a faixa tem absoluta prioridade, essa é a lei. Mas muita gente, quando atravessa a rua, leva essa convicção ao extremo: caminha pela faixa, decidido, sem ao menos olhar se vem vindo algum veículo.
Adolescentes e jovens adultos são especialistas nesse tipo de comportamento. É compreensível, estão naquela idade em que a gente acha que nada de ruim vai acontecer. Aquela idade beata em que a gente se considera blindado e imortal.
As autoridades que cuidam do tráfego vêm-se dando conta de que esse desleixo se tornou um problema sério. Resolveram promover uma campanha institucional, com cartazes e inserções televisivas, para conscientizar a população. O mote da campanha é: Cherchez le regard (em francês) e Such Blickkontakt (em alemão). Em nossa língua, poderíamos dizer Olho no olho. A mensagem é: antes de cruzar para o outro lado da rua, olhe nos olhos do motorista e certifique-se de que ele se deu conta de que você vai atravessar.
No Brasil, tem disso não. Aquele que estiver ao volante de um veículo terá sempre razão e fará questão de reafirmá-lo a cada ocasião. Portanto, abram alas, que eu quero passar. Se você estiver a pé, azar seu. Cada terra com seu uso.
Se alguém tiver a curiosidade de assistir ao minifilme de 40 segundos, clique aqui.
Dia desses quase causei uma tragédia por conta dessas travessias de rua. Vinha em velocidade compatível com a máxima determinada pela via de tráfego intenso – 60 km/h, quando o veículo à minha frente desviou abruptamente para a direita, segui em frente, e a vinte metros um casal de idosos atravessando em local impróprio, inclusive distante 50m da faixa de segurança, meti o pé do freio e deslizei reto na direção deles, torci para o carro não balançar e ufa… só o espelho acertou a bengala do senhor de uns oitenta e poucos anos. Desci do carro e comecei a ouvir um monte de palavrão e xingamentos. O errado era eu diziam eles. Não houve clima para conversa. Desejei-lhes boa sorte e antes de ir finalizei: meu senhor, com ou sem razão, se continuares a atravessar a rua dessa maneira, com certeza serás atropelado.
Dito isso, acredito que aqui no Brasil, tanto o motorista como o pedestre concorrem na construção caótica da mobilidade urbana.
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