O onze de novembro

José Horta Manzano

Você sabia?

Hoje, 11 de novembro, comemora-se o armistício que pôs fim à carnificina que os franceses conhecem como «la Grande Guerre». Falo da Primeira Guerra Mundial, que durou de 1914 a 1918 e deixou 9 milhões de mortos e 8 milhões de inválidos. Dá uma média de seis mil mortos por dia ou 250 por hora.

Esses números não levam em conta 8 milhões de cavalos ‒ utilizados então como animais de guerra ‒ dos quais 1 milhão morreu, numa média de setecentos a cada dia.

Passados noventa e oito anos, não sobra mais nenhum dos antigos combatentes. Os últimos sobreviventes já se foram alguns anos atrás, todos com idade em torno dos 110. Acabou-se a guerra, foram-se os combatentes, não sobra quase nenhuma testemunha daquele tempo. Mas o perigo continua.

Obus da guerra 1914-1918 não-explodido

Obus da guerra 1914-1918 não-explodido

Calcula-se que 15 milhões de toneladas de projéteis (bombas, obus, granadas, foguetes, balas) tenham sido lançados durante os quatro anos de conflito. Boa parte dessa munição não explodiu. Fala-se em 15% de material não-deflagrado, parafernália que continua lá, enterrada a alguns metros ou a poucos centímetros da superfície.

No norte da França, na região onde se travaram batalhas importantes, agricultores e operários da construção ainda encontram, a cada ano, mil toneladas de explosivos que deram chabu. O perigo que essa munição representa é considerável. Explosão espontânea por ocasião de incêndio florestal ou de grande calor pode ocorrer. Risco de vazamento tóxico devido à corrosão do material é importante. O lençol freático periga ser contaminado.

Como pode o distinto leitor constatar, perigos permanecem latentes, como recordação sinistra de uma guerra absurda que terminou cem anos atrás. Aliás, toda guerra é absurda.

Quando os netos de nossos netos forem velhinhos, a humanidade ainda estará sob risco de ser vítima da munição que está sendo atirada hoje nalgum dos numerosos campos de batalha do planeta.

Bala perdida mata na hora. Bomba enterrada pode explodir o neto de quem a mandou lançar.

Boi de piranha

José Horta Manzano

A França está-se preparando para celebrar o centenário do início da Primeira Guerra Mundial, chamada aqui La Grande Guerre. Falo daquela que estourou em agosto de 1914 e que deixou, depois de 4 anos, um rastro de 40 milhões de vítimas, entre mortos e feridos, civis e militares, franceses e estrangeiros.

Prisioneiro

Prisioneiro

Há quem diga que não faz mais sentido continuar repisando, a cada ano, episódios dolorosos que só sobrevivem nos livros de História, visto que todos os antigos combatentes já faleceram. Outros insistem em guardar viva a comemoração anual, para lembrar ao povo que, se hoje vivem em paz, devem um tributo àqueles infelizes de cem anos atrás.

Naqueles tempos brutos, a vida humana tinha valor baixo. Com tanta desgraça em torno, a morte se tinha banalizado. Um a mais ou a menos não fazia falta. Alguns combatentes, quiçá mais sensíveis que outros, ousaram rebelar-se contra seus superiores. Alguns deles ― por bloqueio que a moderna Psicologia explica ― se recusaram um dia a cumprir alguma ordem.

No universo militar, não se brinca com essas coisas. É Conselho Marcial direto. Fosse hoje, alguns dias de galera resolveriam a questão. Em tempo de trincheira, quando a visão e o cheiro dos cadáveres não abalam mais ninguém, o castigo é mais severo. Calcula-se que uns setecentos soldados franceses tenham sido condenados por deserção. E fuzilados para servir de exemplo.

Vista de hoje, essa página da História parece inacreditável. Mas assim era. Algumas vozes isoladas e algumas associações militam hoje pela reabilitação dos fuzilados. Já outros dizem que muito tempo passou, não vale mais a pena. A decisão caberá ao presidente da República, que ainda não se pronunciou sobre o assunto.

Lembrei-me desse lado sombrio da Grande Guerra ao ler hoje uma notícia sobre aquele deputado que, embora condenado a 13 anos de prisão, continua dono de seu mandato. Falo daquele que mora na cadeia e que compareceu à Câmara outro dia algemado e escoltado por boa guarda policial.

Sua condenação se deu ao cabo de um processo por improbidade administrativa ― leia-se roubo de dinheiro do povo. Meteu nos próprios bolsos o fruto do imposto de todos nós: o meu, o teu, o dos zés, joões e tonhos. Agora está sendo acusado de ter-se apropriado de parte do salário de seus próprios auxiliares. Roubar de funcionário! Gente fina é outra coisa, não é mesmo?

Trambiques politiqueiros vistos por Amarildo Lima, desenhista capixaba

Trambiques politiqueiros
vistos por Amarildo Lima, desenhista capixaba

Pois bem, tenho dificuldade em acreditar que o referido deputado seja o único a cometer os crimes de que o acusam. E com os outros, que fazemos? Fica a vaga impressão de que a técnica militar posta em prática na guerra de 1914 continua atual: prende-se um ou dois para dar o exemplo. É artimanha conhecida como boi de piranha. Enquanto os peixes dentuços se jogam sobre um dos integrantes da manada, os outros passam incólumes e chegam sãos e salvos à outra margem. Ou ao fim do mandato.

Sei que não é politicamente correto, mas a cogitação é livre. Eu fico aqui a cogitar se o método expeditivo e radical em voga 100 anos atrás não era mais eficaz. Fuzilados não costumam conservar mandatos.