O fim do dólar

by Gilmar Fraga (1968-), desenhista gaúcho

José Horta Manzano

O que Luiz Inácio já deu de declarações estapafúrdias não está escrito – como se diria em linguagem coloquial. Por ignorância, por excesso de autoconfiança, por entusiasmo momentâneo incontrolado, ou seja lá qual for a razão, já foram dúzias e dúzias de falas machistas, fora de contexto, ofensivas, errôneas, incompreensíveis.

Uma delas, que certamente deixou o interlocutor sem jeito. Foi em 2007, quando George Bush (filho) estava de visita por aqui. Desinibido, Lula quis dizer que as conversações entre Bush e ele estavam avançando bem. Usou os termos seguintes: “Estamos andando com muita solidez para encontrar o chamado ponto G e para fazermos alguma coisa”. Acompanhou as palavras de uma risadinha maliciosa. Bush esboçou um vago sorriso e ninguém ficou sabendo se ele entendeu a pesada alusão. O público americano certamente não entendeu, mesmo porque o locutor da transmissão omitiu esse trechinho.

Estes dias, em Djacarta, às vésperas de um possível encontro em tête-à-tête com Donald Trump previsto para ocorrer em Kuala Lumpur (Malásia), Luiz Inácio fazia um discurso ao lado de seu anfitrião, o presidente da Indonésia. Entre os afagos e as flores, Lula voltou a bater na tecla do abandono do dólar nas transações externas do Brasil, um de seus cavalos de batalha.

Não era o momento e nada exigia botar o assunto sobre a mesa, mesmo porque não consta que a aposentadoria do dólar esteja entre as prioridades indonésias. Mas Lula fez questão de levantar o tema, resoluto como de costume.

Nas redes, não sei se houve eco, mas os analistas que li e ouvi estavam contrariados. Reclamaram todos que não era hora de falar nisso, especialmente a poucos dias do encontro com Trump. O presidente americano é frontalmente contrário a toda tentativa de contornar o dólar e uma vez alertou os incautos que, se insistissem, perigavam receber tarifas de 100%.

Sei que Luiz Inácio é impulsivo. Sei também que o funcionamento do mundo não é exatamente sua especialidade. Assim mesmo, sei que não é tonto. Aliás, neste particular, se distingue do ex-presidente Bolsonaro. Assim, acredito que, se introduziu em seu discurso considerações aparentemente fora de contexto, não foi por descuido, mas com intenção.

Acrescentar mais uma camada aos diferendos entre o Brasil e os EUA bem às vésperas de encontrar o “ogro” pode ser uma estratégia. Ousada, sim, temerária até, mas calculada. Funciona assim.

Em toda negociação, como a que vai haver, há sempre trocas tipo toma lá dá cá. A abolição do dólar como moeda das trocas internacionais é muito mais uma birra pessoal do Lula do que um objetivo do comércio exterior brasileiro. Dado que não é moeda conversível, o real não pode ser usado como moeda internacional. Portanto, que seja o dólar, o yuan, o euro ou o franco suíço, será sempre necessário adquirir moeda estrangeira para comerciar.

Na hora do toma lá da cá, é interessante ter na pauta alguns itens que atrapalham nosso interlocutor, mas que não são realmente importantes para nós. Assim, poderemos sempre nos comprometer a não mais reclamar o fim do dólar em troca desta ou daquela concessão da parte adversa. Por exemplo, podemos prometer tirar de pauta nossa birra contra o dólar em troca do abandono, por parte de Trump, de sanções contra autoridades brasileiras.

Se a inclusão da fala sobre dólar no discurso de Djacarta tiver seguido essa estratégia – e espero que assim tenha sido –, foi boa ideia. Mostra que há esperança sempre, e que o governante de espírito empedernido sempre acaba aprendendo.