Nosso país conserva normas que criam privilegiados. Desde os tempos em que ainda não havia regras nesta América portuguesa, o aventureiro branco vindo d’além-mar tinha automática ascendência sobre os gentios. Era o direito habitual, que dispensa leis escritas e é por todos reconhecido como natural.
Escritas ou não, normas discriminatórias continuam a favorecer castas privilegiadas até hoje. Entra governo, sai governo, estoura revolução, baixa a poeira, ensaia-se golpe de Estado, acalmam-se as coisas – mas os privilégios permanecem.
Me parece justo que um militar de profissão, tendo cometido crime durante seu engajamento na tropa, esteja sujeito à lei militar e seja por ela julgado. Se for condenado a pena de privação de liberdade, é compreensível que a cumpra em prisão militar.
Já um militar reformado que se veja diante de justiça civil por malfeitos cometidos deverá, no meu entender, ser submetido a destino semelhante ao de seus concidadãos civis: será julgado por tribunal civil e, em caso de condenação, comprirá a pena em prisão civil.
Por essas e outras, tenho certa dificuldade em entender que nosso ex-futuro vice-presidente da República, general reformado Braga Netto, esteja recolhido ao aconchego de uma prisão militar. A estas alturas, ele já deve ter sido entregue ao Comando Militar do Leste, onde estará abrigado sob custódia do Exército Brasileiro.
Não é difícil imaginar o general de quatro estrelas sendo atendido por cabos e sargentos solícitos e reverentes que lhe levam o rango, arrumam a cama, varrem o chão, limpam o banheiro, engraxam os sapatos de manhã e trazem os chinelos à noite.
Não acho que o general estrelado, apesar do tenebroso crime de que é acusado, devesse mofar numa masmorra escura e úmida, sem julgamento, pelo tempo que lhe resta de vida. Acho simplesmente que ele deveria ser tratado como seus concidadãos comuns. Vista a idade e o histórico de vida do encarcerado, acredito que deveria ter direito a cela individual. Fora isso, nenhum privilégio extra.
O que é perturbante é saber que Braga está num universo em que todos os que o servem são hierarquicamente inferiores a ele. É situação esdrúxula, que não resiste a uma análise mais profunda.
Sosseguemos. Antes que a tinta deste texto seque, é bem capaz de o general já ter sido solto por conta de alguma manobra jurídica. Afinal, temos tantas à disposição…
