Pé-rapado

José Horta Manzano

Consultei em várias fontes. O curioso plural “pé-rapados” não é interpretação do repórter, mas reproduz fielmente a fala do discursante. O suave pastor realmente pronunciou assim. Os termos não são lá muito elevados, mas decerto o palavreado fazia parte do sermão.

Só que… o pastor há de ter pulado uma aula de Português. Foi no dia em que Dona Maricotinha ensinou que o adjetivo concorda com o substantivo em gênero e número. Pé-rapado é composto de um substantivo (pé) + um adjetivo (rapado). Portanto, tem de seguir a regra. O adjetivo gruda no substantivo e vão juntos para o plural: pés-rapados. Sim, senhor.

Os ofendidos devem ter festejado em coro:

Pé-rapado é o teu nariz
Mais pé-rapado é quem me diz

Onomástica
Malafaia é nome que vem do sul da Itália. Sua origem é difícil de decifrar. A primeira parte (mala) é moleza: é feminino de malo, o contrário de bom. Já o segundo elemento é mais complicado de identificar. Há duas possibilidades.

A primeira aponta para uma alcunha de origem grega – o que não espanta, visto que o sobrenome Faia é frequente na Sicília, terra que foi colônia grega na Antiguidade. O apelido significaria brilhante. Dado que mala não encaixa com brilhante (que brilha mal? brilho falso?), a dúvida fica no ar.

A segunda possibilidade é mais tentadora, embora mais difícil de provar. Faia é forma usada em alguns dialetos e línguas latinas (entre as quais o português) para dar nome a um tipo de árvore comum na orla mediterrânea: o Fagus selvatica. Se realmente fizer referência a essa árvore, Malafaia significaria “faia ruim”. Ruim por quê? Porque, de algum modo, atrapalhava a vida dos aldeões de 800 anos atrás? Ou porque os que viviam à sua sombra, longínquos antepassados do discursante, eram gente pouco recomendável? Nunca se saberá.

Petrolõezinhos

Pavao 1José Horta Manzano

Este blogueiro é do tempo em que, na hora de pôr diminutivos no plural, as regras eram outras.

Primeiro, a gente punha o substantivo no plural. Só então, eliminava o s e acrescentava o sufixo ‒ geralmente zinho, às vezes zito ou zico. Ficava assim:

   pavão → pavões → pavõezinhos

   cão → cães → cãezinhos

   capitão → capitães → capitãezinhos

   caminhão → caminhões → caminhõezinhos

   coração → corações → coraçõezinhos

   arpão → arpões → arpõezinhos

   avião → aviões → aviõezinhos

   jaquetão → jaquetões → jaquetõezinhos

   petrolão → petrolões → petrolõezinhos

As coisas mudam e a língua evolui. A tendência atual é a inversão das regras. Primeiro, acrescenta-se o sufixo (zinho); em seguida, vai tudo junto para o plural. Está aí a chamada do sério Estadão, que não me deixa mentir.

Chamada do Estadão, 22 abr 2016

Chamada do Estadão, 22 abr 2016

Fica estranho, mas… que fazer? Ninguém segura o progresso.