A pátria amada e a macacada

José Horta Manzano

Por ocasião do depoimento do general Pazuello(*), que deve ser dado daqui a dois dias (se, até lá, ninguém levantar alguma questão de embargos infringentes), me vem à mente uma traquinagem de meu tempo de estudante.

Lá se vão muitas décadas, quando os generais ainda nem haviam instalado a ditadura, a gente se sentia livre de fazer troça com todo o mundo, inclusive com os militares. Ainda bem que deu tempo, porque, logo em seguida, os tanques sairiam às ruas e brincadeiras desse tipo seriam tiradas de circulação por 20 anos.

Talvez o distinto leitor conheça a Canção do Exército – no youtube aqui. É aquela que começa assim: “Nós somos da pátria a guarda, fiéis soldados por ela amados”. Pois é, uma das características do adolescente é a irreverência. Minha geração não escapou, como nenhuma escapa.

Aprendemos a cantar esse hino, não me lembro por que razão. Terá sido dado pelo professor Caldeira, de Canto Orfeônico. O que sei é que fizemos uma paródia e estropiamos a letra. No pedaço em que diz:

Porém se a pátria amada
for um dia ultrajada,
lutaremos sem temor.

A gente cantava:

Porém se a pátria amada
precisar da macacada,
ó meu Deus, que maçada!

Bom, essa era a letra light, cantada quando havia crianças na sala. Na (nossa) versão original heavy, as palavras eram um pouco mais encorpadas:

Porém se a pátria amada
precisar da macacada,
puxa a cerda, que caçada!

No último verso, escrevi sons que lembram as palavras originais; cada um que use a imaginação pra descobrir o que está por trás da tarja preta.

Na época, cantar assim era uma ousadia; hoje, principalmente depois que o bolsonarismo espalhou pelo país seus modos rasteiros, ninguém mais se choca por tão pouco. No entanto, por mais que nosso presidente baixe o nível, não consigo acompanhar. Continuo me comportando como se houvesse permanentemente senhoras na sala. Não é na minha idade que vou começar a soltar palavrão por aí. Talquei?

Como eu dizia lá no começo, o comportamento do general Pazuello me fez lembrar a paródia dos ginasianos dos anos 1960. Ao tentar se esconder pra não ter de revelar seus “malfeitos”, o ex-ministro prova ter no ombro muita estrela pra pouca valentia. Sua conduta combina com nossos versinhos:

Porém se a pátria amada
precisar da macacada,
puxa a cerda, que caçada!

Se Pazuello estivesse no lugar do general Eisenhower, aquele que comandou o exército americano na Europa durante a Segunda Guerra, teria se escondido, e hoje estaríamos todos falando alemão. (Que é, sem dúvida, uma bela língua, mas o problema não é esse.)

(*) Para conhecer a origem e o significado do sobrenome do general, leia o artigo que escrevi em março último.

Plágio? (parte 2)

José Horta Manzano

O artigo de ontem rendeu pano para mangas. Dizem que os adolescentes querem todos ser diferentes vestindo-se todos da mesma maneira. Com gente grande não funciona exatamente do mesmo jeito.

É bem verdade que há gente de comportamento um tanto excêntrico ― antigamente, diríamos esquisito ― , que elege um modelo e passa a vida tentando imitá-lo, mas a maioria não chega a tal extremo de mimetismo.

Falei em plagiato porque me surpreendeu a semelhança entre duas canções populares, nada mais. O caso me deixou a impressão de ir além de uma simples coincidência.

Nunca tinha dado maior atenção a esse assunto, mas uma boa amiga e fiel leitora me chamou a atenção para outros casos tanto ou mais contundentes do que o que citei.Notas musicais

Andei pesquisando e me dei conta de que há muito mais plágios entre céu e terra do que sonha nossa vã filosofia. Peraí!  O que eu acabo de dizer não é plágio, é citação, coisa bem diferente. Citação (ou paródia) é uma piscadela, uma reminiscência que se insere aqui e ali para florir um texto ou uma melodia. Copiar trechos inteiros de obra alheia e assinar embaixo são outros quinhentos.

Uma rápida busca me revelou inúmeras acusações de plágio. Há material para livros inteiros, um artiguinho não basta. Quero só apontar alguns casos mais flagrantes.

O ‘rei’ Roberto Carlos foi acusado, anos atrás, de se apoderar de uma canção de um músico diletante. Processado pelo autor, defendeu-se. Passou uns 15 anos interpondo recursos, mas não houve jeito: foi condenado. Veja aqui.

O crítico de arte Luís Antônio Giron  já publicou diversos artigos apontando trechos de composições de Tom Jobim que se assemelham estranhamente a obras de outros autores. Os cinco últimos parágrafos deste artigo publicado na Gazeta Mercantil são edificantes.

Lúcio Ribeiro e Pedro Alexandre Sanches, em texto estampado na Folha de São Paulo, vão pelo mesmo caminho. Lançam uma sombra de dúvida sobre a autoria de Águas de Março.

Tem um caso que merece a palma de prata. É a parecença entre o Prelúdio n°4 de Frédéric Chopin e A Insensatez de Antônio Carlos Jobim. As peças são gêmeas univitelinas. Veja o inteligente entrelaçamento.

And the winner is….  A palma de outro vai para… Lamartine Babo! Torcedor fanático do América Futebol Clube, não hesitou em copiar a canção americana Row Row Row e transformá-la em hino de seu time. Sem tirar nem pôr.Violino

Confira:

Row Row Row, de Joy Hodges

Hino do America F.C., de Lamartine Babo

Vamos copiar o Ai, se eu te pego, assinar embaixo, e entrar numa grana firme? Que tal?