Se benzer

José Horta Manzano

A sabedoria popular ensina que ‘cão que ladra não morde’. Com variantes regionais, esse ditado ecoa em todas a línguas. ‘Os cães ladram e a caravana passa’ é uma variante.

Isso dito, tenho observado a atitude de Donald Trump com relação ao Irã. Já faz dias que ele ameaça sem morder. Abandonou a reunião do G7 antes do fim, dizendo que tinha decisão iminente a tomar. A “decisão” não passou de um ultimátum lançado ao Irã ordenando que se rendessem imediatamente e sem condições. Em resposta, os aiatolás deram-lhe uma banana.

Trump voltou a ameaçar lembrando que está cogitando destruir o sítio onde os iranianos enriquecem urânio. Acontece que essas instalações estão enterradas longe do alcance de bombas tradicionais. Trump, por enquanto, continua ladrando sem morder. Por que será?

Há quem diga que está aplicando nos iranianos a estratégia do pavor. Procura atormentar os habitantes com a iminência dos ataques, lembrados diariamente. Pode ser, mas não é o que me parece. A meu ver, o que está emperrando um ataque fulminante é outra coisa.

O Irã é supermontanhoso. Sua orografia acidentada, que percorre praticamente o território inteiro, conta com elevações que ultrapassam 4.000 metros. Ao construir suas instalações subterrâneas, os iranianos sabiam que os EUA possuem esse tipo de bomba perfurante, que pode atravessar 60m de terra, rocha ou até concreto antes de explodir.

Assim sendo, com tanta montanha à disposição, não me parece que tenham optado por cavar uma cova rasa para colocar as centrífugas. É mais simples abrir um túnel no flanco de uma montanha bem alta e, lá no fundo, alargar a galeria e instalar a maquinaria. Dado que a bomba perfurante fura na vertical (e não na horizontal), as instalações estão protegidas pela própria montanha. Quero crer que tenham escolhido esta última solução.

Isso explicaria a longa hesitação de Trump em lançar um ataque. Sacou, tem de atirar – olhaí outra expressão conhecida. Se a tal bomba perfurante for lançada sem sucesso, isto é, se não destruir completamente o sítio nuclear, como é que fica? Trump não pode dar de ombros, virar as costas e tirar o pé fora. Terá de dar continuidade ao ataque. Terá de se meter numa guerra, sem esperança de vencê-la rapidamente.

Entre as promessas de campanha, Trump garantiu que, como adepto da paz, não envolveria mais os EUA em guerras. Uma nova guerra no Oriente Médio desmoralizaria o personagem. Ele perderia o apoio de muitos de seus fãs. Portanto, ele só interviria no Irã se tivesse certeza de vencer em poucos dias e, sobretudo, sem que nenhum soldado americano tenha de pisar o solo persa.

Outro fator pode ajudar a explicar a hesitação trumpiana. Faz muito tempo que o Irã deixou de permitir a entrada de inspetores da Agência Internacional de Energia Atômica. Ninguém é capaz de dizer com exatidão a quantas anda, neste momento, o enriquecimento de urânio. Na última inspeção estava a 60%, mas como estará agora? Sabe-se que, para o fabrico da bomba, o urânio tem de estar enriquecido a 90%.

Assim sendo, supondo que o urânio enriquecido esteja próximo do teor necessário para explosão atômica, quais seriam as consequências de uma bomba perfurante explodindo no recinto em que o urânio enriquecido está estocado? Fica por isso mesmo? Quem garante que a poeira contaminada não vai escapar e se espalhar pela atmosfera? Tendo em mente que o Irã tem uma população de 90 milhões, quem vai assumir a responsabilidade de ter contaminado, pelo ar e pela água, toda uma nação?

Aí estão, a meu ver, as razões da demora de Trump. Em conclusão:

    • Se simplesmente abandonar, ele será visto como pusilânime.
    • Se atirar a bomba perfurante e não conseguir atingir o alvo, será ridicularizado, ele e seu exército.
    • Se lançar a bomba e contaminar milhões, será considerado um genocida de galocha.
    • Se entrar em guerra tradicional, com desembarque de tropas e de tanques, estará abrindo conflito para uma década, com milhares de americanos mortos, sem garantia de vitória.

É um drama em que todas as saídas são ruins. A sinuca é de bico. De bico entortado, com penas pretas por cima. Trump precisa se benzer.