Serendipidade – 2

José Horta Manzano

Você sabia?

Velcro 1

Outro dia lhes falei sobre a estranha palavra serendipidade que, embora seja abonada por bons dicionários, ainda não foi reconhecida pelo Vocabulário Oficial da Academia. Uma distração, sem dúvida.

ArquimedesO termo serendipidade exprime a faculdade ou a sorte de inventar algo ou fazer alguma descoberta por mero acidente ou por dedução impelida pelo acaso. O exemplo clássico é a história de Arquimedes – aquele grego antigo que, ao ver flutuar um sabonete na banheira, descobriu um princípio da física. É verdade que a história não registrou a marca do sabonete, mas isso não vem ao caso.

Uma notável invenção suíça seguiu o caminho da serendipidade. Trata-se de um objeto comum, que utilizamos com frequência, sem imaginar como era o mundo antes que ele existisse. Falo do velcro, aquelas geniais tirinhas que grudam e desgrudam sem precisar colar nem costurar. Um achado!

Velcro 2Pois saibam meus distintos leitores que o velcro foi criado pelo engenheiro suíço George de Mestral (1907-1990), originário de família abastada. Numa tarde do outono de 1941, Monsieur de Mestral passeava com seu cachorro num bosque. Horas mais tarde, já de volta a casa, notou que tanto suas roupas quanto o pelo do animal estavam apinhados de pequenas bolinhas, daquelas que chamamos carrapicho.

George de Mestral

George de Mestral

Velcro 4

Chateado, pôs mãos à obra para arrancar, uma a uma, aquelas bolinhas espinhudas. Tomou especial cuidado com o cachorro que, sozinho, não conseguiria se livrar daqueles incômodos penduricalhos.

Enquanto executava a tarefa, a ideia do velcro começou a germinar em sua imaginação. Examinou os carrapichos no microscópio, comparou com o tecido de sua roupa, e… acabou entendendo o princípio. A partir daí, Monsieur de Mestral cuidou da parte comercial. Dez anos mais tarde, patenteou seu invento na Suíça e, no ano seguinte, nos demais países.

Castelo da família De Mestral

Castelo da família De Mestral

Velcro é contração de velours + crochet (veludo + crochê). Como gilete e xerox, é marca registrada que se tornou nome comum. Sem sombra de dúvida, é a criação suíça mais difundida no mundo. Há muito mais tirinhas de velcro em circulação do que canivetes. A NASA, por exemplo, não dispensa esse material para fixar objetos no interior de cápsulas espaciais.

Quero meu país de volta!

José Horta Manzano

Lei da Copa 3Nossos ingênuos e distraídos dirigentes se deixaram ludibriar mais uma vez. As excelências de nosso parlamento, ao aprovar a Lei Geral da Copa, fizeram como costumam fazer os figurões deste país: assinaram sem ler.

Um alto dirigente partidário, hoje inquilino da Papuda, já tinha avalizado empréstimo sem ler o contrato. Uma antiga ministra de Minas e Energia, hoje inquilina do Planalto, já tinha assinado compra de refinaria sem ler o contrato.

Agora nos damos conta de que nossos parlamentares também votaram uma lei de 114 artigos distribuídos por 152 páginas sem ao menos pedir um resumo, uma sinopse especial para quem tem preguiça de ler. Tivessem tido o cuidado de ler antes de assinar, muitas cláusulas teriam sido contestadas. Ou não.

A Secção I do Capítulo II (Da proteção e exploração de direitos comerciais) da Lei Geral da Copa configura um verdadeiro confisco do sistema de registro de patentes brasileiro. As cláusulas desses artigos botam o INPI para escanteio e instituem a Fifa em seu lugar. A metáfora futebolística cai bem aqui: é como se o jogador titular (o INPI) saísse de campo, e um reserva (a Fifa) tomasse seu lugar. É por tempo limitado, mas o substituto assume plenos poderes ― joga como quer.

A Lei Geral impôs ao INPI que desse tratamento especial às demandas da Fifa, que tratasse seus registros com maior celeridade que o habitual, que reconhecesse de antemão que certas marcas «de alto renome» pertencem à Fifa sem contestação possível.

Copa 14 logo 2Ficamos sabendo agora que, entre duas centenas de expressões de uso corriqueiro, as marcas Brasil 2014, Natal 2014 e Pagode tornaram-se propriedade da Fifa. Portanto, não podem mais ser utilizadas comercialmente por ninguém até o fim do ano 2014. Em países civilizados, nomes geográficos, por razões óbvias, não podem ser registrados. Nomes de festas religiosas ou pagãs, tampouco. É desvario total conceder o registro do nome de nosso país a uma entidade privada, por mais importante que ela seja. A expressão Brasil ― 1500, 1822, 2014 ou seja que ano for ― é propriedade do povo brasileiro. A impossibilidade de registro comercial deveria ser ponto pacífico.

Nossos dirigentes permitiram que vendêssemos nosso próprio nome! Parece pesadelo! Em matéria de privatização, se excederam e ousaram atacar o mais sagrado. Não está longe o dia em que teremos de pedir licença à Fifa para entrar em casa.

Interligne 18c

PS: Alguém consegue imaginar algum país civilizado cedendo os direitos sobre seu próprio nome à… Fifa? Pois é.