Nós não vai ser preso

José Horta Manzano

«Firmissima est inter pares amicitia» ‒ amizade entre iguais é mais firme. Dois milênios atrás, os romanos, que a gente imagina tão primitivos, já deixavam prova escrita de sabedoria. Mais que escrita: gravada na pedra. E pensar que, até hoje, há gente que não aprendeu.

Chame como quiser: solidariedade familiar, espírito de clã, corporativismo, coesão tribal. Dá no mesmo. No frigir dos ovos, em matéria de relacionamento humano, o que prima é a amizade entre iguais. Os estranhos que se danem. Assim como entraram no clube de favor, serão expulsos ao menor descuido. E pela porta dos fundos.

Aquele moço de nome simplório e sobrenome pio descuidou-se. Admitido no clube havia pouco tempo, acreditou ter sido sido aceito, estar integrado, fazer parte do clã. Alegre engano. Imaginando que tivesse entrado para o clã dos inimputáveis ‒ como os outros membros do seleto clube ‒ escorregou e dançou. Não se deu conta de que estava do lado mais fraco da corda, justamente aquele que, quando forçado, arrebenta.

Foi inculpado, caçado, preso e degradado à situação de mortal comum, exatamente como na época em que ainda não tinha entrado para o clube. Transferido à Justiça Federal de São Paulo, foi levado a uma primeira audiência de custódia. Instado a se manifestar, declarou: «Eu fui mexer com os poderosos, com os donos do poder, e estou aqui.»

Desesperançada constatação feita justamente pelo bravateiro que, ainda outro dia, prometia «dissolver» o Supremo Tribunal Federal. É incrível a ingenuidade de certos indivíduos. Inebriados com incenso, dinheiro, promessas, afagos e sorrisos, não se dão conta de estarem sendo usados. Acabam se convencendo de que fazem parte do clã. Quando acordam, já é tarde. A casa desmoronou e eles ficaram presos nos escombros.

Os poderosos deste país não são exatamente os que a gente acredita que sejam. Os verdadeiros potentados não se expõem sob os holofotes. Preferem o escurinho dos bastidores, de onde manejam os pauzinhos e manipulam os que aceitam atirar-se à fogueira de vaidades. Os ex-açougueiros de Anápolis se atiraram. E se queimaram.

Os verdadeiros poderosos podem até ser mencionados em um processo aqui, outro ali. No entanto, nunca serão caçados e jamais encarcerados. Não passarão pelo vexame de serem expostos, em cadeia nacional, interrogados por juiz de primeira instância. Tal tratamento é reservado pra personagens secundários que não fizeram senão servir aos interesses dos reais donos do poder. Ainda que mostrem a arrogância dos ignorantes, nunca passaram de marionetes.

Vale lembrar outro adágio latino. Talvez sirva para incautos que imaginam que basta ter no bolso a carteirinha para ser plenamente aceito no clube: «Leonina societas periculorum plena» ‒ aliança com leões é cheia de perigos.

Lavagem de alma

José Horta Manzano

Vaia 1Nada como uma boa crise pra derrubar máscaras. Enquanto a maioria do povo brasileiro acreditava que o País estivesse sendo bem conduzido, os do andar de cima viviam tranquilos, satisfeitos, confiantes. Arrotavam importância.

No entanto, como não há mal que sempre dure nem bem que nunca se acabe, más notícias começaram a chegar. Primeiro veio o mensalão, levado na brincadeira no início, cozinhado em água fria em seguida, sempre negado pelo Lula apesar das suspeitas que ainda recaem sobre ele. O escândalo abalou a confiança que muitos tinham nos medalhões, mas não foi suficiente para apartá-los do poder.

Como num rodamoinho, em que o movimento descendente começa lento e vai-se acelerando mais e mais, as más notícias têm chegado. Más notícias para eles, bem entendido. Para nós outros, são boas-novas.

Lavanderia 1Essa Operação Lava a Jato está impressionante de ousadia. E de eficácia. Destemidos, os que a dirigem têm cercado gente graúda. Não só cercado, como acuado, acusado e despachado ao xilindró. Coisa nunca vista antes nessepaiz. O povo parece que acordou. A última pesquisa de opinião indica que nove em cada dez brasileiros reprovam o governo de dona Dilma.

O Lula anda deprimido. E não é pra menos: uma a uma, as cavilhas que o prendiam ao pedestal da glória vão sendo desparafusadas. Em excelente artigo, o jornal O Globo relata a fala patética que o taumaturgo, desnorteado, despejou num colóquio com religiosos, havido em seu comitê político, aquele que leva o pomposo qualificativo de instituto.

Nosso guia confirma o que já sabíamos: que tanto ele quanto dona Dilma e o partido estão todos no «volume morto». Na metáfora saborosa, o que chama mais a atenção não é o volume, é o morto.

Represa 5Sem que o orador se dê conta, suas palavras denotam que ele ainda se sente parte integrante do governo. Fala em «nossa» rejeição. Diz que «a gente» tem de mudar.

Mostra também que seus métodos de governar pararam no tempo. Acusa a sucessora de permanecer trancada em palácio e dá a receita para romper a clausura: sair por aí, passar a mão na cabeça, dar beijo. Ele continua achando que, para se aproximar do povo, basta subir num palanque. É tão simples, não é mesmo?

Diz que, há meses, ele e sua turma são incapazes de dar uma boa notícia aos brasileiros. O ex-presidente tem razão. As boas notícias não têm vindo do Planalto, mas do Poder Judiciário. Interpelações, perquisições, devassas e prisões podem aporrinhar a vida do Lula, mas têm lavado nossa alma.