Formado e atravancado

José Horta Manzano

Na prática, a teoria é outra ‒ taí uma verdade difícil de contestar. O jovem, ao escolher uma profissão, sonha com o dia em que há de sair da escola com o canudo debaixo do braço. Já imagina o emprego de bom nível, o laboratório montado, o ateliê abrindo as portas, o consultório equipado, o escritório funcionando, clientela crescendo. É normal (e é bom) ter projetos.

Canudo recebido, no entanto, a situação pode não se revelar exatamente como sonhada. O Ipea ‒ Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada ‒ acaba de publicar um levantamento cujas constatações são alarmantes. Nada menos que 38% dos que batalharam pra conseguir diploma trabalham fora da área em que se formaram. Entre a população jovem, o número é ainda maior: são mais de 44%. E a situação tende a agravar-se. A série histórica só cobre sete anos, mas já mostra que os números aumentam ano após ano.

Se o distinto leitor se encontra nessa situação, só posso apresentar-lhe minha solidariedade. Se não é o caso, tente imaginar o drama de alguém que, depois de ter sonhado, feito projetos e batalhado duro pra chegar ao objetivo, é obrigado a seguir caminho diferente do que tinha planejado. É drama pessoal que deixa gosto amargo de derrota e impotência.

Cada caso é um caso, não há dúvida. Que um indivíduo aqui, outro ali, tenha de desviar da meta é coisa que acontece. São as incertezas da vida. Um acidente, uma doença ou outro acontecimento podem fazer que a prática se dissocie da teoria. Quando, no entanto, metade dos jovens tem de sobreviver exercendo em área diferente daquela em que se formou, já não se pode falar de acidente pessoal. É praga de dimensões nacionais.

Não acredito que o brasileiro seja menos inteligente nem menos capaz que um alemão, um mongol, um havaiano ou um malgache. Isso posto, sobram duas possibilidades. Por um lado, pode ser que o jovem não esteja sendo corretamente orientado no momento de escolher uma carreira. Essa é a hipótese mais branda. Pra resolver, basta instituir um serviço nacional de orientação profissional, equipado e capacitado pra secundar o jovem que deixa o ensino obrigatório, no momento de eleger profissão.

Por outro lado ‒ e esta é a hipótese mais complexa ‒ é possível que o ensino oferecido pelas faculdades e escolas profissionalizantes não esteja sendo capaz de formar bons profissionais. Se assim for, o problema é bem mais espinhudo. Não é impossível de resolver, mas vai levar tempo. E é bom começar logo.

Basta, por favor!

José Horta Manzano

Notícia boa não vende jornal, daí ser relegada a rodapé de página. Notícia ruim faz a alegria de todo editor. Quanto pior, maior será a manchete. É da vida.

Esta semana, saiu o assustador resultado de uma pesquisa sobre a percepção que têm os brasileiros de mulher vestida com panos mais exíguos. Segundo o Ipea, 2 em cada 3 brasileiros, na impossibilidade de despachar as pecadoras para a fogueira, acham justo e correto que seu castigo seja o assédio sexual.

Para quem vive no exterior, é dose cavalar. É daquele tipo de notícia que você torce para o vizinho do lado não ter ficado sabendo. Dá vergonha de cumprimentá-lo no elevador no dia seguinte. É muito desagradável você ver seu país de origem nivelado a um Afeganistão qualquer.

Passados 2 ou 3 dias ― catapum! ― lá vem o desmentido. Não era bem isso, o resultado foi lido pelo avesso. Como é que é? Duas versões para a mesma pesquisa? Será que se pode acreditar nalguma delas?

Sondagens de intenção de voto se chocam às vezes com a realidade. Abertas as urnas, vem o desmentido. Embora irritante, é, até certo ponto, compreensível. Por alguma razão, os eleitores não terão sido sinceros em suas respostas ou, quem sabe, terão mudado de ideia na hora agá.

Crédito: Caio Leal, AFP

Crédito: Caio Leal, AFP

Já o presente caso é de outra safra. Os entrevistados não mudaram de ideia. Foram os pesquisadores que, incompetentes, se embananaram.

É inacreditável a leviandade, a displicência, a irresponsabilidade com que informações desse calibre são dadas a público. Dizer que «nove entre dez estrelas do cinema preferem tal sabonete» não traz consequências, é informação inócua. Agora, proclamar que 2/3 dos brasileiros ainda pensam como na Idade Média é muitíssimo mais grave, é constatação acachapante.

Uma informação dessa importância deveria ter passado por várias peneiras finas antes de vir a público. Com todas as notícias ruins ― mas verdadeiras ― que têm circulado fora do Brasil estas semanas que antecedem a «Copa das copas», não precisávamos de falsas informações. O que temos de ruim já basta, é favor não acrescentar mais uma camada.

É tarde demais para desmentir. O mal está feito. A notícia de que o povo brasileiro ainda vive nas trevas já deu a volta ao mundo.

Desgraçadamente, se todos publicaram a incrível informação, nem todos publicarão o desmentido. Melhor subir pela escada, que o risco de cruzar o vizinho é menor.

Interligne 23

Quem tiver tempo a perder vai encontrar aqui um flagrante do alastramento da espantosa notícia pela mídia internacional.

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