COP26

José Horta Manzano

A COP26, megaencontro realizado em Glasgow, não se restringiu aos dois primeiros dias, quando chefes de Estado deram o ar de sua presença. Os encontros, as palestras e os seminários continuam. Vão do domingo 31 de outubro até a sexta-feira 12 de novembro.

Alguns dirigentes, como nosso capitão, preferiram dar o ar de sua ausência – fato contra o qual ninguém reclamou. Ele deixou de ir por não ter nada a dizer, é de crer. Comida e bebida grátis, ele já tem todos os dias, sem precisar enfrentar a chuva escocesa.

Apesar de não ter grande coisa a apresentar além de boas intenções (que cairão no colo e serão cobradas dos próximos dirigentes), o Brasil mandou a maior delegação entre todos os 180 países presentes. Nada menos que 479 participantes integram oficialmente a comitiva brasileira. Para alguns, é dever de ofício; para muitos, é uma grande festa. Em Glasgow venta muito e faz frio, mas há excelentes cervejas e uma quantidade de excelentes pubs.

O governo brasileiro peneirou (com peneira própria) os candidatos a participar da comitiva oficial. Entre os eleitos, estão grandes industriais, personalidades do ramo de investimentos e até grandes empresários do biodiesel. Corporações e federações industriais também estão lá. A CNI (Confederação Nacional da Indústria), sozinha, mandou 10 representantes.

A comitiva oficial inclui primeiras-damas de quatro estados, duas recepcionistas, dois fotógrafos e até uma barmaid, mas, curiosamente, nenhuma ONG. Essa ausência é estranha, dado que são justamente as ONGs que põem a mão na massa de verdade, confrontadas que estão com os problemas reais, no varejo de todos os dias.

Li na mídia que o stand das ONGs brasileiras, embora menor que o da delegação oficial, é muito mais concorrido e está sempre cheio, apesar de, no oficial, servirem (excelentes) salgadinhos e bebidinhas preparadas por profissional.

Sabia que há uma delegação ainda mais numerosa que a do Brasil? Por incrível que pareça, a presença mais forte é a dos lobistas ligados à indústria petrolífera. Uma jornalista suíça fez as contas e identificou 503 membros dessa “corporação”. Não mantêm um stand próprio, à vista de todos. Trabalho de lobista não é na linha de frente. Eles estão espalhados, infiltrados em cada uma das delegações nacionais. Na do Brasil também há.

Esses lobistas representam o outro lado da moeda. Todo o mundo sabe que uma das medidas principais para paliar a agonia do planeta é o total e imediato banimento da queima de petróleo. Se essa regra passasse a ser seguida com rigor, isso significaria a asfixia da indústria petrolífera e a ruína de países cuja riqueza é principalmente baseada na extração do óleo. A função do lobista é esticar a corda e prolongar a agonia do planeta até não poder mais.

Mas não adianta. A queima de combustíveis fósseis para produção de energia está com os dias contados. Com ou sem lobistas.

VIP por um dia

José Horta Manzano

Karon Grive, súdita britânica, é escritora. Para fugir da umidade e das brumas que envolvem sua Escócia natal no outono, decidiu passar um mês na Grécia, na ensolarada Ilha de Creta. Como não é dada a luxo, a quinquagenária escolheu um voo barato. Domingo último, embarcou em Glasgow, num Boeing da companhia de baixo custo Jet2, para a viagem de 3000 quilômetros até Heraklion. O bilhete custou-lhe 46 libras ‒ menos de 200 reais.

Ao se aproximar do guichê para o check-in, notou que o movimento era baixo. Puxou conversa com o funcionário e perguntou se os passageiros eram numerosos.

«‒ Adivinhe!», responde ele.

«‒ Sei lá. Uns dez, quem sabe?», arriscou.

«‒ Ih, tá frio. Pode baixar.»

«‒ Meia dúzia? Será?»

«‒ Menos. Só esperamos três passageiros!»

Karon Grive: VIP por um dia

Surpreendida, Karon se dirigiu ao salão de espera. Quando saiu a chamada para o embarque, ela reparou que, além dela, ninguém se levantou. Quando as portas da aeronave se fecharam, ela entendeu que era a única passageira. Os outros dois viajantes não se tinham apresentado. Situação insólita.

É verdade que, neste fim de temporada, o número de passageiros diminui, mas dificilmente a esse ponto. Companhias aéreas, quando não conseguem preencher determinado número de assentos, costumam cancelar o voo. Excepcionalmente, a Jet2 decidiu seguir o programado.

A viajante, como se pode imaginar, foi tratada como rainha. Os tripulantes a paparicaram e a chamaram pelo nome ‒ coisa pouco comum. A comandante do aparelho deixou a pilotagem em mãos do copiloto e veio sentar-se ao lado da passageira encantada. Descreveu-lhe o voo, mostrou-lhe paisagens, apontou para o espetáculo de uma tempestade vista do alto. Em suma, a turista fez uma viagem de sonho, sozinha e tratada como VIP num jato concebido para levar 189 viajantes.

A escritora descreveu a situação como surreal. Não é impossível que a experiência singular sirva de inspiração para o romance policial que pretende escrever à beira do Mediterrâneo. É impossível imaginar melhor propaganda para um livro que ainda nem foi escrito. Muita gente, informada pela BBC sobre o acontecido, já está ansiosa para ler a obra.