José Horta Manzano
Todo político sabe que, na vida pública, há que engolir sapos. Faz parte da função.
Imagine um dirigente visceralmente contrário à monarquia e a todo regime cujo chefe ascenda ao poder por herança de sangue ou “pela graça de Deus”. Pense agora que o dirigente de nosso exemplo se encontre, numa recepção mundana, com o príncipe de Mônaco. Ai, um príncipe! Que fazer? Dar as costas e fingir que não viu? Ou apertar aquela mão aristocrática e sentir o sangue azul pulsando logo abaixo da pele? Nosso dirigente, que não é grosseirão, aperta a mão do nobre. E um sapo lhe desce goela abaixo.
Imagine agora um dirigente de direita, de tendências extremistas, daqueles que abominam pobres, não-brancos, LGBTs e tudo o que não se pareça com eles.
(Abro aqui um parêntese para contar que já conheci pelo menos dois figurões de comportamento constrangedoramente efeminado, daqueles que falam em falsete e quebram o pulso a cada frase – um sufoco. Não convém revelar nomes, só digo que um deles tinha sido rei da Itália e o outro era o xeique de Abu Dhabi à época. Mas faz tantos anos, que a poeira do tempo já cobriu tudo. Fecho o parêntese.)
Voltemos a nosso dirigente fricoteiro e homofóbico. Vamos imaginar que seja apresentado a um figurão que rebola, cheio de trejeitos. Vai dar as costas e recusar o aperto de mão? Ainda que extremista, nosso dirigente não é um ogro ignorante. Aperta a mãozinha. E solta logo. Mais um sapo escorre-lhe pela garganta.
Foram dois exemplos bastante forçados, caricatos. Dificilmente ocorreriam na vida real. Ou talvez… nunca se sabe.
Agora vamos a um caso bem real, que aconteceu de fato, notícia fresquinha desta semana. Não foi encontro casual ou fortuito. O colóquio foi real, pesado e pensado, discutido e deglutido, revolvido e resolvido. Não foi resultado de ato irrefletido, daqueles de que a gente acaba se arrependendo.
Lula decidiu aceitar o convite que Vladímir Putin lançou aos poucos “amigos” que lhe restam. Convocou a comitiva e, encantados feito crianças que saem de férias, embarcaram num avião de nossa Força Aérea para voar umas 13 horas rumo a Moscou.
Ao chegar – não sei se terá pensado nisso – calhou de ser, entre os convidados de Putin, um dos raros dirigentes democráticos. A seu redor, tinha uma boa seleção do melhor que o mundo tem em matéria de ditadores e dirigentes autoritários.
Além do anfitrião e de seu vizinho Xi Jinping, estavam Miguel Díaz-Canel (Cuba), Nicolás Maduro (Venezuela), Viktor Orbán (Hungria), Robert Fico (Eslováquia). Estavam lá também os dirigentes de Tajiquistão, Uzbequistão, Bielorrússia e de dezenas de outros regimes afins.
Vladímir Putin, cuja lista de guerras de conquista já inclui Tchetchênia, Geórgia e Ucrânia, é responsável direto pelos mortos, feridos, amputados e estropiados que esses conflitos engendraram – contando por baixo, serão entre 2 milhões e 3 milhões de velhos e jovens, homens e mulheres, militares e civis, anciãos e recém-nascidos, todos ceifados pela sede de poder e glória de um único homem.
Pois nosso Luiz Inácio, todo lampeiro, convoca acólitos e credores de favor, cruza o oceano, veste sua roupa de gala para apertar a mão do responsável por tanta desgraça. São mãos asquerosas, vermelhas de sangue inocente.
No momento desse repugnante aperto de mão, nenhum dos protagonistas engoliu sapo. Foi o Brasil, o Brasil decente, o Brasil atento, o Brasil humanitário, o Brasil digno, o Brasil amoroso – foi esse Brasil que engoliu mais um sapo.
Tudo por tua causa, Lula! Está na hora de cair na real e largar de prestigiar essa cambada de ditadores nojentos!

