Imagens que intrigam

José Horta Manzano

Certas imagens me intrigam. Por exemplo, a foto estampada acima, tirada diante do hospital brasiliense que atualmente abriga Jair Bolsonaro.

Quando saiu a notícia de que o antigo presidente estava passando por uma intervenção cirúrgica complicada e de alto risco, muita gente deve ter se recolhido e pedido uma graça a seu santo de devoção. Muitos pediram proteção para o doente. Pode até ser que outros tenham formulado pedido diferente.

É normal e universal que um indivíduo se recolha para conectar-se com suas entidades protetoras. Em princípio, isso se faz em momentos íntimos, num ambiente caseiro e calmo. É nesse ponto que a foto me intriga.

Supõe-se que o retratado seja um apoiador de Bolsonaro em posição de oração. Se eu encontrasse o cidadão, ia fazer-lhe diversas perguntas. São caraminholas que não me saem da cabeça.

  • Por que razão preferiu prostrar-se em local público, à luz do dia, à vista de todos?
  • Qual o motivo de ter desfraldado nossa bandeira nacional, posicionada como se fosse altar?
  • Numa oração em que o fiel pede graças ao Altíssimo, a palma das mãos dever estar voltada para cima, simbolizando a espera das bênçãos que descem a este vale de lágrimas. Já o cidadão da foto voltou a palma das mãos para o hospital onde jaz o antigo presidente, numa postura que pode fazer escorregar as graças. Por que motivo voltou as mãos para o edifício? Acredita que, em vez de descer do céu, as bênçãos sejam emitidas pelo próprio ídolo recém-operado?

Quem entendeu o propósito do peregrino da foto, que me desculpe. Eu não entendi. Quando uma situação me parece fora dos eixos, gosto de tentar esclarecer.

Baile da saudade

José Horta Manzano

A charge
Achei genial a charge que saiu na Folha de hoje, obra do jovem desenhista João Montanaro (27 anos). É a imagem reproduzida acima.

A seita
Os obstinados que se mobilizam a um simples aceno de Bolsonaro estão mais para sectários (fiéis de uma seita) do que para partidários (companheiros de partido). A obediência absoluta demonstra isso. Partidos, especialmente no Brasil, não exigem fidelidade total de seus membros. Já uma seita só sobrevive da lealdade de seus adeptos.

Sem faixas
Me parece simples. Com receio de ser levado em cana por incitação à sedição, Bolsonaro pediu a seus fiéis que não trouxessem faixas. Resultado: ninguém veio com faixas. Isso expõe a devoção do distinto público a Seu Mestre, ou seja, ao super-homem que lhes dá ordens.

O Brasil já conheceu populistas que, a seu tempo, magnetizavam os fiéis. Getúlio Vargas talvez tenha sido o mais significativo deles. Assim mesmo, assisti a conversas animadas entre getulistas e ademaristas (de Adhemar de Barros) que não terminavam em tiro nem morto estendido no meio-fio.

A diferença é o que eu dizia antes: num caso, temos simpatizantes de um partido; no outro, são fiéis obedientes a um guru. Essa é a diferença entre os de antigamente e os de hoje. Daí a dificuldade de lidar com os ditos “bolsonaristas”.

No espírito de um “bolsonarista”, o chefe tem sempre razão. Não há discussão possível. Se mandou levar faixa, levo; se não mandou, não levo. Se ele diz que é um inocente perseguido por pessoas más, acredito.

Como argumentar? Não adianta nem tentar. Seria como tentar convencer um eleitor argentino de que o “peronismo” já faleceu faz meio século. Ele não concordará.

Resumindo
Isso foi o que mais me impressionou no ajuntamento de ontem: a ausência de faixas. Da meia dúzia de discursos, já se imaginava que não insultariam magistrados, mas do público era mais difícil. No final, vê-se que foi mais fácil adestrar os assistentes do que conter um dos ‘pastores’ discursantes, que chegou a cutucar autoridades superiores a ele.

Trocando em miúdos, temos uma continha de soma zero. Os ‘bolsonaristas’ deram mostras de quem são e do apreço que devotam ao guru. Continuam a apreciar o chefe. Quanto aos ‘não bolsonaristas’, continuam no seu canto, sem precisarem de chefe que lhes diga de que cor têm de se vestir. Os de lá não votam nos de cá e vice-versa. O desfile não fez ninguém mudar de campo. Zero a zero.

Quanto à Justiça, ah, são outros quinhentos! O tempo judicial é mais longo que o tempo do trio elétrico ex-presidencial. Daqui a uma semana, a algazarra suscitada pelo ajuntamento da Avenida Paulista terá sossegado. Mas os processos, implacáveis, continuarão a correr nos escaninhos do Supremo.

Não acredito que choro de Madame amoleça coração de magistrados.

PS
Esperemos que os juízes que vão julgar Bolsonaro não tenham interpretado essa movimentação como demonstração de força ou, pior, como afronta ou provocação. Juiz irritado tem a mão pesada.