É assim que todos perdemos

Sérgio Rodrigues (*)

O que aconteceu no Rio de Janeiro na última terça-feira (28) devia ficar em nossa história como um marco, “o 28 de outubro”. O dia em que chegou a um patamar inédito de clareza e dor – o Rio sempre na vanguarda – a tragédia da segurança pública no Brasil.

Esse promete ser um dos grandes temas da eleição presidencial do ano que vem, dizem, e parece justo que seja. O que não é necessariamente uma boa notícia. Se precisamos nomear bem as coisas antes de resolvê-las, “segurança pública” é um pântano semântico.

Com muita facilidade esquecemos ou fingimos não ver aquilo que, de tão óbvio, se torna elusivo – que o problema tem raízes na forma como nossas elites sempre delegaram a instituições violentas, das milícias do Império às atuais polícias militares, a tarefa de lidar com a massa de despossuídos fermentada em séculos de escravidão.

Educar, empregar, incluir? Nem pensar. Bater, confinar e matar, isso sim. A “segurança pública” no Brasil nasceu como a segurança de quem tinha posses – a dimensão “pública” era sua inimiga. Sendo desmedida nossa desigualdade social, descomunal tinha de ser a violência empregada na tentativa de domar seus efeitos.

Só que essas coisas não são domáveis. A brutalidade primordial antipreto e antipobre que foi uma das vigas mestras da nação brasileira começou a inflamar, a infeccionar, e evoluiu para uma sepse. Hoje as palavras soam como eufemismos covardes: açougueiros são chamados de governadores, e um massacre com 120 mortos em um só dia, de “operação policial”.

A rotina de violência para a qual desenvolvemos uma tolerância doentia, incompatível com qualquer projeto nacional decente, virou solo fértil para que prosperassem modelos amalgamados de bandidagem, negócios e poder político, a tal ponto que o mal se entranhou no tecido da sociedade – empresas, instituições, governos, parlamentos.

Eis por que uma eleição presidencial pode não ser o melhor foro para debater a questão. Fixada naquela injustiça social originária, a esquerda tem imensa dificuldade de sequer enunciar o problema, enquanto a direita, sempre dobrando a aposta na exclusão e no extermínio com fins eleitoreiros, está condenada a agravá-lo.

(*) Sérgio Rodrigues é escritor e jornalista.

Texto integral
(para assinantes da Folha de S.Paulo).

Um pensamento sobre “É assim que todos perdemos

  1. Estou tão indignada com essa atrocidade que não consigo botar em palavras meus pensamentos. Lamento apenas que as pessoas se coloquem a favor ou contra mais este episódio dantesco sem parar um só minuto para refletir sobre sua própria posição diante da desigualdade social e do papel do Estado. O mesmo acontece com as prisões: o que mais se busca é vingança, que os apenados “apodreçam” na cadeia (sejam eles culpados ou não), sem que se considere a função primordial de ressocialização das penitenciárias. Ó tempora, ó mores!

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