A gravata

José Horta Manzano

Madame Da Silva esteve na Europa para uma vilegiatura de 5 dias em Portugal, mais um dia de lambuja na Espanha. Enquanto o marido tratava com gente séria e soltava alguma bobagem (mas só de vez em quando), Madame não tinha muito que fazer.

Um dia, levantou da cama decidida. Convocou um batalhão de seguranças e dirigiu-se a uma franquia da rede Ermenegildo Zegna, aquela loja de adereços masculinos que marca presença nos bons centros comerciais (=shopping centers) ao redor do planeta.

Lá encantou-se por um modelito de gravata rajada azul e branco – uma graça! Não ficou claro se Madame perguntou o preço. Mandou embalar e voltou para o hotel com a compra debaixo do braço.

Jornalistas curiosos foram atrás de informações. E descobriram que o mimo adquirido por Madame custou a bagatela de 195 euros (cerca de R$ 1.100).

Ok, concordo que cada um gasta seu dinheiro como quer. Se Madame Da Silva não se importa de investir um patrimônio numa gravatinha de grife, o problema devia ser dela, não nosso.

Só que tem uma coisa. Se o distinto leitor entrar numa boutique Zegna e comprar uma gravata de mais de mil reais, a notícia não vai sair nos jornais. Agora, quando se é a primeira-dama do Brasil, é diferente. Todo gesto, toda palavra, todo ato é escrutado, analisado, pesado, medido e… publicado. Assim como o presidente deveria tomar mais cuidado com suas declarações, a primeira-dama deveria prestar mais atenção a certos gastos ostentatórios.

Em primeiro lugar, há o perigo de muita gente pensar que a compra foi debitada no cartão corporativo, ou seja, que o gasto foi pra conta do povão. Essa ideia é evidentemente falsa. Mas pega mal.

Em seguida, tem o alcance do gesto. Madame Da Silva, que é socióloga, está sem dúvida sabendo que 33 milhões de conterrâneos passam fome. Esse contingente foi confirmado por seu marido em fala recente. Convenhamos: quem compartilha com o marido o topo da escala de poder não deveria dar demonstração pública de esbanjar dinheiro num país em que um em cada sete habitantes sofre cronicamente o flagelo da fome. Pega muito mal.

De uma próxima vez, não custa encarregar um assessor de ir até a loja e trazer a caixinha. A hipocrisia será a mesma, mas ninguém vai ficar sabendo.

Dê-me sua opinião. Evite palavras ofensivas. A melhor maneira de mostrar desprezo é calar-se e virar a página.

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