José Horta Manzano
Na hora de explicar o que vem a ser inadequação vocabular, a professora Dad Squarisi costuma citar Gonçalves Dias. Se o poeta ‒ diz ela ‒ em vez de:
«Minha terra tem palmeiras
Onde canta o sabiá»
tivesse escrito:
«Minha terra tem árvores
Onde canta o pássaro»,
teria dito mais ou menos a mesma coisa. Mas o encanto teria ido pro beleléu.
O Estadão reproduziu belíssimo instantâneo captado por um fotógrafo profissional. Ei-lo:
A legenda fala de um “pássaro negro comendo frutinhas”. Errado, não está. Mas não tem charme nenhum. Que o pássaro é preto, todos estão vendo. Que está comendo frutinhas, idem. Pra dizer platitudes, nem precisava pôr legenda. Vale a pena complementar.
O pássaro preto da foto é um melro macho, por coincidência primo-irmão do sabiá de Gonçalves Dias. O corpo inteirinho preto, o alaranjado do bico e o círculo em roda do olho confirmam.
As “frutinhas” vêm de um arbusto que não existe no Brasil, concedo. Mas a planta tem nome em nossa língua, dado que cresce nas regiões serranas de Portugal. É a tramazeira (ou cornogodinho, ou tramagueira), da família das rosáceas. Apesar da linda cor, o fruto é tóxico para humanos. A ingestão de grandes quantidades pode ser, em raros casos, mortal.
Em inglês, o arbusto é conhecido como mountain ash. Em espanhol, é serbal. Em francês, dizem sorbier. O nome científico é sorbus. Por não ser comestível, a fruta não tem nome específico, o que é compreensível.
Sim, raros são os meios onde ainda encontramos encanto. Aqui no Brasil, pelo menos, as coisas e pessoas estão nuas (também literalmente), secas, brutas. Tudo sem graça. É o progresso do regresso, parece que avançamos para os urros e murros, além disso, não há entendimento. Não culpo o Estadão nem outros canais de imprensa, afinal, a qualidade de seus leitores, certamente caiu substancialmente, na contramão da quantidade…
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