Clube do Bolinha

José Horta Manzano

Durante milênios, a dominação masculina sobre a sociedade foi incontestável e incontestada. Cabia ao homem prover ao sustento da família enquanto o papel da mulher era permanecer na sombra, em casa, a cuidar da prole ‒ isso era ponto pacífico. O costume continua valendo em países menos avançados, onde mulher não sai de casa sozinha, não dirige automóvel, não tem direito de votar. Em nossa terra, as coisas evoluíram.

No Brasil de cem anos atrás, mulher nem sempre tinha direito a escolher marido. Era habitual que casamentos fossem combinados entre o pai do noivo e o da noiva. O noivo, na melhor das hipóteses, podia dar opinião. Quanto à noiva, recebia o pacote pronto, sem direito a troca nem a reembolso. Minha avó, que não viveu ao tempo dos sumérios, sofreu essa imposição.

by Julia "Aleutie" Bolchakova, desenhista canadense

by Julia “Aleutie” Bolchakova, desenhista canadense

Em um século, pelo menos no mundo ocidental, os costumes evoluíram muito. Entre os anos 1920 e 1950, o voto feminino foi-se generalizando. Casamentos arranjados praticamente desapareceram. Profissões antes exclusivamente masculinas abriram-se à participação feminina. Até na América Latina, que não é propriamente locomotiva em matéria de igualdade de oportunidades, países como Brasil, Argentina, Chile e Nicarágua têm ou já tiveram mulher na presidência da República.

Hoje em dia, ao menos em teoria, a mulher é livre para escolher profissão e seguir o destino que melhor lhe aprouver. Por motivos que sociólogos, psicólogos e demógrafos devem poder explicar, certos campos de atividade continuam contando com participação majoritária de um ou de outro sexo. Professora primária, parteira e enfermeira, por exemplo, são profissões predominantemente femininas. Motorista de caminhão, encanador e pintor de paredes costumam ser homens.

Infográfico Estadão, 3 nov° 2016

Infográfico Estadão, 3 nov° 2016

Na política, em cargos eletivos, a participação masculina é esmagadora. Para constatar, basta dar uma olhada em roda. Fiquei surpreso ao encontrar, no Estadão de 3 de novembro, um alentado estudo sobre os eleitos nas eleições do mês passado, escrutados segundo critério de sexo. O trabalho, uma coleção de sofisticados infogramas, chega à conclusão de que as câmaras municipais do país são constituídas predominantemente por homens.

E pensar nas horas e horas de trabalho gastas por um grupo de profissionais para chegar a conclusão óbvia. Pouquíssimos são os municípios brasileiros que têm mais vereadoras que vereadores. A pergunta é incontornável: ‒ E daí?

Se os candidatos se tivessem repartido igualmente entre homens e mulheres e os eleitores, diante da urna, tivessem dado o voto aos homens em detrimento das mulheres, aí sim, o fenômeno mereceria estudo aprofundado. Dado que o artigo do Estadão não menciona tal particularidade, é lícito supor que a proporção de homens e mulheres eleitos corresponda à proporção de homens e mulheres que se candidataram. Portanto, o que merece ser estudado é o porquê de haver mais candidatos que candidatas.

Na minha opinião, pouca diferença faz que vereadores e prefeitos sejam homens ou mulheres. O que se espera dos eleitos é espírito público, dedicação ao trabalho, desprendimento, alguma cultura, boas intenções, abertura de espírito, disposição ao diálogo, percepção da realidade local, honestidade. Talvez seja pedir muito.

5 pensamentos sobre “Clube do Bolinha

  1. Sei, não, mas estranho o tempo dos verbos relativos ao tema da dominação masculina. Tudo bem que os casamentos não sejam mais arranjados pelos pais dos noivos, que a mulher tenha acesso a trabalhos fora do lar hoje em dia e que já ocupe cargos distintivos no mercado e na política. Mas isso tudo me parece apenas a casca da maçã: no âmago, nossas sociedades (ocidentais e orientais) continuam sendo profundamente machistas. Posso estar errada, mas enquanto Deus for concebido como homem nascido de uma mulher virgem não há esperança alguma de transformação.

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    • No fundo, você não deixa de ter certa dose de razão. No entanto, continuo achando que, se não há maior número de eleitas na política, é simplesmente porque não se candidatam. É como aquele que rezava todas as noites pra ganhar na loteria. Não ganhava nunca, porque nunca jogava.

      No Brasil, já tivemos presidentA, governadoras, prefeitas (SP teve duas). A diretora do FMI é mulher, assim como a embaixadora do BR junto à ONU. Faz dez anos que a chanceler da Alemanha é Frau Merkel. No Reino Unido, tivemos Mrs. Thatcher por dez anos e agora está lá Mrs. Mae. Já nos tempos de antigamente o mundo conheceu Indira Gandhi, Golda Meir, Violeta Chamorro, Corazón Aquino.

      Neste momento, nossos brothers estão diante de difícil escolha entre a peste e o cólera. Uma das doenças se chama Mrs. Clinton. A outra enfermidade chamava-se Drumpf no original. Faz três gerações que deram um jeito de tornar o nome mais palatável a ouvidos americanos.

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      • O machismo na sociedade ocidental me parece evidente, basta pensar nas frequentes pesquisas que revelam as diferenças salariais entre homens e mulheres que exercem cargos compatíveis…….no Brasil o dado da ONG Save the Children deixou isso claro mostrando que aqui é o pior país da América do Sul para uma menina crescer………mulheres ganhando alguma projeção pode ser uma indício de que esse pensamento de superioridade masculina diminua……..é possível até dizer que nos últimos cem anos este gráfico apresenta uma linha descendente, mas num grau muito, mas muito mesmo, abaixo do que seria ideal………………entendo, e concordo, com seu pensamento de igualdade, onde o que importa é a competência, e não o gênero, mas também consigo ver claramente que, além dele não ser o pensamento predominando por aí, a maré vai em outro sentido no momento……………..sobre as eleições a pergunta que faço é: dentro dos partidos existe abertura para a possibilidade de um número de candidatos igual ao número de candidatas? Existe algum indício de que algum partido (que não tivesse o feminismo como ideologia partidária) aceitaria bem, ou como natural, ter um número de candidatas maior do que de candidatos?

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  2. Eder,

    Embora não seja obrigação legal, o presidente francês procura alcançar a paridade entre sexos quando compõe seu ministério. Na Suíça, em menor medida, a preocupação existe também.

    Continuo achando que, se não há mais eleitos do sexo feminino, é porque não há candidatas suficientes.

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  3. Isso é uma opinião…….o fato, me parece ser, em grau determinante, um machismo dentro dos partidos que raramente excedem a cota mínima de gênero entre os candidatos……ao menos em terras tupiniquins……

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