Da cabeça para a mão

José Horta Manzano

Você sabia?

Meus distintos e cultos leitores hão de conhecer a estranha palavra inglesa handkerchief, que corresponde a nosso lenço. Assim, de cara, o termo nem parece inglês. Leva mais jeito de ser alemão ou holandês. A palavra tem origem divertida. Vem por caminho surpreendente.

Idade Media 1Na Alta Idade Média europeia, todos andavam de cabeça coberta. Fosse de dia ou de noite, dentro ou fora de casa, cobrir a cabeça fazia parte do ritual. Mal comparando, corresponde ao telefone que (quase) todos levam hoje no bolso. Indispensável.

A palavra latina caput, que reaparece no italiano capo e no português cabeça, é chef em francês. Para designar aquilo que cobre a cabeça, os franceses da Idade Média diziam couvre-chef – literalmente cobre-cabeça. Servia para chapéu, touca, boné, pano, o que fosse.

Quando o exército do francês Guilherme, o Conquistador, venceu os ingleses na Batalha de Hastings (1066), suas tropas ocuparam e dominaram a Grã-Bretanha. Considerados mais refinados, os costumes dos invasores passaram a ser imitados pelos autóctones. Foi assim que uma enxurrada de palavras latinas entraram no léxico inglês: por intermédio do francês falado na região da Normandie. Entre as palavras adotadas, aparecia couvre-chef.

by Louis Le Nain (1593-1648), pintor francês

by Louis Le Nain (1593-1648), pintor francês

Os camponeses britânicos não conheciam a peça que hoje conhecemos como lenço. Quando necessário, faziam como faz todo jogador de futebol: assoavam o nariz nos dedos, chacoalhavam a mão com elegância e enxugavam algum eventual perdigoto na roupa. Uma finura.

Os invasores normandos, que tinham passado a constituir a casta dominante, carregavam um pedaço de pano que fazia as vezes de lenço. Era um notável avanço no asseio nasal. Admirativos, os ingleses mais endinheirados logo aderiram à moda. Naturalmente, a objeto novo, dá-se nome novo. Como chamá-lo?

Tomaram a referência que lhes era mais familiar. O trapo lembrava um pano de cobrir cabeça. A diferença era que não ia em cima da cachola, mas na mão. Sem problema. Passou a ser designado como cobre-cabeça de mão, ou seja, hand couvre-chef.

O povão, incapaz de pronunciar couvre-chef, popularizou a forma handkerchief, que usamos ainda hoje.

2 pensamentos sobre “Da cabeça para a mão

  1. Muito interessante! Cobre cabeça de mão… então, veio a curiosidade de saber porque o nosso, do português Brasil, ficou sendo assim, simplesinho e genérico: lenço. Tem idéia?
    Pesquisa bem superficial minha, nem se equipara ao aqui já relatado: LENÇOL – seu nome deriva do Latim linteolum, “pano feito de linho”, de linum, “linho” (tanto a planta quanto o tecido feito dela).
    Do resto a chegar em lenço, dá pra fazer algumas deduções. Mas, o usual hoje, é lenço de papel…
    Grande abraço José Horta Manzano!

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  2. Pingback: … enquanto isso no BrasilDeLonge | Caetano de Campos

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