Constituição indulgente

José Horta Manzano

A Folha de São Paulo contou quantas vezes o termo direito(s) aparece em nossa atual Constituição. Nada menos que 163 vezes, segundo o jornal. Dos conceitos usuais, é o mais citado. Ganha estourado do segundo classificado, o termo justiça, com 123 menções.

Todos sabemos que não é domingo todos os dias e que não há almoço grátis. Aos direitos do cidadão, correspondem necessariamente deveres. O levantamento da Folha não incluiu esse termo. Fui conferir na fonte. Procurei o texto completo da Constituição de 1988 e contei. Pasmem: a palavra dever(es) aparece apenas 33 vezes ― incluídos aí o índice, os títulos e os subtítulos.

Está aí um bom termômetro. Ele aponta para algumas das grandes mazelas de nosso caráter coletivo. Queremos nossos direitos, mas preferimos escamotear o fato de que temos deveres. A disparidade de referência a cada um desses dois conceitos ― direito e dever ― dá também boa indicação da propensão populista dos que fazem as leis.

No fundo, essa discrepância constitucional entre direitos e deveres revela nossa ingenuidade. Imaginamos ser possível viver numa sociedade utópica, com balaios de direitos e meia colher (de café) de deveres.

Infelizmente, o mundo não funciona assim.

Dê-me sua opinião. Evite palavras ofensivas. A melhor maneira de mostrar desprezo é calar-se e virar a página.