Alguns meses atrás, a Folha de São Paulo publicou um texto do jornalista Rodrigo Salem. A reportagem descreve uma complicada pendenga judicial que tem a ver com rolos de filmes antigos. O pomo da discórdia são 13 mil rolos de documentários feitos por Primo Carbonari em 50 anos de trabalho. Um testemunho insubstituível de nossa História.
Litígios judiciais são corriqueiros. Sua frequência, alás, tem aumentado consideravelmente nestes tempos estranhos, em que tendemos a remedar comportamentos importados nunca dantes vistos neste País. Onde antigamente o bom senso e a boa vontade resolviam, depende-se hoje de decisão judicial. Lentas, as brigas se arrastam por anos. E sempre garantem à parte descontente o direito a recurso e a toda a parafernália que se costuma desembainhar nessas ocasiões.
Já litígios envolvendo rolos de filmes antigos são mais raros. É notória a indigência de nossa historiografia ilustrada. Fotos e filmes antigos são material escasso nesta parte do mundo. O Brasil orgulha-se de ter sido o primeiro país da América Latina a contar com a televisão. No entanto, se é verdade que, no recuado ano de 1950, alguns paulistanos privilegiados já podiam sintonizar o primeiro canal de tevê, poucas imagens dos anos pioneiros foram conservadas. Procure o leitor por registros dos primeiros 20 anos: excetuados retalhos de gravações miraculosamente conservados, não encontrará praticamente nada. Perdeu-se tudo. A ninguém ocorreu que estavam fazendo (e apagando) História.
Quem tem mais de 40 ou 50 anos já assistiu algum dia a um cinejornal de Primo Carbonari. Era praxe naqueles tempos pré-internet em que as imagens do mundo nos chegavam pelos jornais impressos, em fotos de qualidade sofrível. Assistir a um daqueles jornais cinematográficos era um colírio. Apesar da ausência de cor, as pessoas e os objetos eram visíveis, nítidos, enormes, se mexiam, tinham vida. Sem falar no fundo sonoro e na elocução caprichada dos narradores.
Como sabemos todos, filmes antigos deterioram-se com o tempo. Para perenizá-los, a melhor maneira é a digitalização. Não posso nem quero entrar no mérito do litígio sobre os documentários de Carbonari ― quando se toma o bonde andando, é melhor não se meter em briga de passageiros. Independentemente disso, acho que a memória nacional não deveria estar sujeita a contingências judiciais.
Faz seis meses que não se ouve mais falar na disputa pelos filmes documentários. Do jeito que se arrastam as coisas, a cada dia que passa mais um registro de nossa história periga desaparecer. É urgente que o Poder Público intervenha. Não há tempo a perder.
Um povo que despreza sua memória, além de escancarar sua indigência intelectual, condena-se a reviver seu próprio passado. Com as mesmas agruras e os mesmos apuros.


É uma pena que se perca tão precioso arquivo como o de Carbonari. Mas não ficou claro: quais são as partes dessa pendenga?
José Armando
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José Armando, volte ao post e clique no link embutido no nome do jornalista Rodrigo Salem. Vai aparecer o artigo dele publicado pela Folha de SP em julho do ano passado. É um texto bastante explicativo.
Também eu acho criminoso jogar fora o pouco que resta de nossa memória histórica.
Obrigado pela audiência. Continue seguindo, é um prazer recebê-lo.
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