Do you speak English?

José Horta Manzano

Artigo publicado no Correio Braziliense de 26 agosto 2023

Faz tempo que a era bolsonariana está nos acréscimos, mas parece que o juiz esqueceu de apitar o fim do jogo. Para quem imaginou que, virado o calendário para 2023 o capitão desceria do palco, o desagrado está sendo enjoativo. Apupado e alvejado por ovos e tomates, o capitão continua sob os holofotes. O espetáculo das joias traficadas é tão palpitante que está ofuscando outros fatos nacionais tão ou mais importantes que as vilezas bolsonáricas.

Muitos anos atrás, quando este blogueiro cumpria a escolaridade obrigatória, aprendíamos quatro línguas: Português, Inglês, Francês e Latim. O Português, língua oficial, tinha carga horária mais consistente. O Inglês e o Francês se justificavam por sua importância nas relações internacionais de então. Já o Latim contribuía para o aprendizado de nossa língua.

Nas décadas seguintes, o ensino de línguas foi seguidamente podado. Foi-se o Latim, foi-se o Francês. Só sobrou um inglesinho um tanto precário. Armou-se turbilhão vicioso e descendente: com a baixa de qualidade no ensino, professores receberam formação precária; uma vez formados, transmitiram o que tinham aprendido.

Com a chegada de Lula 3.0, certas distorções do governo anterior começam a ser desfeitas. Fora, escola militarizada! Fora, todos esses sinais que remetem à verticalidade de um mando único! Xô, aliciamento juvenil estilo Hitler-Jugend!

A nova bússola merece aplausos, só que o diabo se esconde nos detalhes. Sem alardeio, o Ministério da Educação anunciou seu plano geral. No capítulo línguas, o texto traz uma formulação sutil que tende a informar que o objetivo é acabar com o estudo do Inglês – a ser substituído pelo… Espanhol.

O pretexto é um malabarismo ensaboado: nosso país é cercado de vizinhos que falam espanhol. Seria argumento a considerar, não fosse enganoso. Como se sabe, desde o início do povoamento, lusos e castelhanos nunca se bicaram, e cada um viveu voltado para sua respectiva metrópole. Tirando zonas fronteiriças, é pequeno o contacto entre brasileiros e vizinhos. Quando há, o “portunhol” faz milagres. As relações entre vizinhos nunca se deixaram entravar pela barreira da língua.

O que o governo não diz é que, atrás da proposta de banir o inglês, está o velho ressentimento, herdado dos tempos da Guerra Fria, que manda lançar mão de qualquer artimanha para combater o imperialismo do malvado Tio Sam. O banimento do inglês está na mesma linha que a proposta de Luiz Inácio de substituir o dólar por qualquer outra moeda no comércio internacional.

O que Lula não percebe é que ele se meteu numa luta assimétrica. A luta pela substituição do dólar por outra moeda é combate de estilingue contra tanque de guerra. Nas trocas internacionais, o peso do Brasil é pequeno. Toda agitação lulopetista nesse campo será esforço desperdiçado.

No ensino, substituir o Inglês pelo Espanhol só prejudicará os brasileirinhos. No exterior, com o inglês, o brasileiro poderá se virar em qualquer lugar do mundo. Unicamente com o espanhol, não irá muito longe.

Na internet, então, o domínio da língua inglesa é acachapante. Estatísticas deste mês, que levam em consideração os 10 milhões de sites mais consultados, informam que mais da metade deles são escritos em inglês. São exatamente 53,6% enquanto o espanhol se contenta com 5,3%. Isso corresponde a uma página em espanhol para dez em inglês. Não há ressentimento lulopetista que possa alterar essa realidade. Para pesquisa, informação, estudo ou diversão, o consulente terá 10 vezes mais chance de ser bem servido em inglês do que em espanhol.

O inglês se tornou de facto a língua franca planetária. Quem quiser se comunicar com um fornecedor (ou um cliente) da Europa, da Ásia, da África ou da Oceânia terá obrigatoriamente de fazê-lo em inglês. Ou na língua local do correspondente, exercício complicado quando não se fala coreano ou vietnamita.

O espanhol dificilmente somará pontos no currículo, ao passo que o inglês é cada vez mais exigido. Profissões para as quais português antes bastava hoje exigem domínio ou bons conhecimentos de inglês.

Está na hora de a empoeirada doutrina lulopetista se sacudir. Será bom o governo entender que o que está em jogo não é a permanência ou não do Tio Sam no comando – o que se quer é formar brasileirinhos preparados para ter sucesso no mundo difícil e competitivo que os espera. Ainda dá tempo.

A tragédia da língua portuguesa

Dad Squarisi (*)

Tornou-se lugar-comum falar na baixa qualidade do ensino. Em testes nacionais, comprova-se, ano após ano, o mau desempenho dos alunos, sem domínio das habilidades de ler, escrever e fazer as quatro operações. Em exames internacionais como o Pisa, os estudantes brasileiros figuram na rabeira dos concorrentes.

ExameO Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) 2013 chama a atenção para o resultado da língua portuguesa. Mais de 5 milhões de jovens se submeteram à avaliação para concluir o ensino médio, entrar em universidade pública, participar de programas de intercâmbio, obter bolsa de financiamento em instituições privadas. No total, 14.715 escolas compõem o ranking.

Pouco mais de um terço (33,87%) obteve nota abaixo de 500 na redação. Foram reprovadas. Levando-se em consideração o desempenho individual, mais da metade dos alunos de 3.900 colégios tiraram nota vermelha. O fracasso na produção de texto implica soma de incompetências. Entre elas, falta de domínio da norma culta; incapacidade de leitura e compreensão de enunciados, de organizar e interpretar informações, de argumentar, de transitar de uma ideia para outra.

AnalfabetoAvaliar a redação vai além de analisar a habilidade de escrever. A língua funciona como pré-requisito para as demais disciplinas. Antes de resolver um problema de matemática, por exemplo, o estudante precisa entender o enunciado. Ele pode até saber o raciocínio para chegar à resposta, mas é incapaz de perceber o que a questão pede. Limitação similar se observa em geografia, história, biologia. O jovem estuda, mas não aprende.

Ele é vítima de uma a escola que não ensina. Currículos desatualizados, material didático de má qualidade, bibliotecas mortas, laboratórios decorativos aliam-se a professores desmotivados e sem a qualificação necessária. Espaços assim funcionam como castigo para rapazes e moças que vivem em universo tecnológico povoado de atividades desafiadoras.

Professora 1Sentar-se calado, um atrás do outro para ouvir o professor que repete o que está nos livros ou copiar matéria do quadro é cena do século 19, quando estabelecimentos preparavam os empregados exigidos pela revolução industrial. Não condiz com a sociedade do conhecimento, que exige profissionais proativos, empreendedores, aptos a responder a desafios com criatividade.

Como chegar lá? O ponto de partida é o professor. A carreira do magistério deve atrair os melhores talentos. Para tanto, além de formação acadêmica, impõe-se carreira top. Os brasileiros ambiciosos devem saber que vale a pena ser docente. Não só pelo salário, mas também pela progressão profissional e pelo respeito da sociedade.

(*) Dad Squarisi, formada pela UnB, é escritora. Tem especialização em linguística e mestrado em teoria da literatura. Edita o Blog da Dad.

Inovação e excelência

Dad Squarisi (*)

Estudante 1A fila anda. Com ela, a sociedade muda. O que era deixou de ser. Deu lugar a transformações na cultura nacional. Uma das mais importantes: a certeza de que o Estado não dá conta das obrigações. Seja por incompetência, seja por falta de compromisso, o grande pai falhou. A escola não ensina. A saúde não cura. A segurança assusta. O transporte abandona passageiros no caminho.

Desde Pedro Álvares Cabral, os pobres pagam a conta do descaso. O cobrador bate à porta de favelas e moradores de bairros distantes. Com a rápida e bagunçada urbanização, os excluídos exigiram inclusão. Sem planejamento, o país fez o que sempre faz: deu um jeitinho. A resposta ao improviso foi a piora de tudo – a degradação do equipamento urbano e a manutenção de bolsões de esquecidos de Deus e dos homens.

Estudante 2E daí? Na certeza de que quem espera nunca alcança, ONGs e empresas conscientes da responsabilidade social decidiram fazer sua parte. Apoiam ou patrocinam projetos aptos a responder a urgências sociais. É o caso da C&A, da Natura, da Telefónica, do Grupo Votorantim, do Correio Braziliense & cia do bem. A tecnologia, claro, figura entre os principais fatores de mudanças.

Semana passada, seminário internacional reuniu em Florianópolis especialistas de diferentes grupos que discutiram o papel da tecnologia para a transformação social. Um ponto chamou a atenção: embora seja um dos países mais conectados do mundo, o Brasil figura na rabeira da inovação. A tecnologia pouco impacta escolas de todos os níveis de ensino.

ExameNão por acaso, lideram o ranking os primeirões do Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa) – Cingapura, China, Japão, Finlândia. Significa que colhe os frutos da inovação quem tem ensino de qualidade. Não é o nosso caso. Ainda marcamos passo em leitura, matemática e ciências. Obrigamos os estudantes a olhar para trás em vez de desafiá-los a buscar respostas para os desafios da contemporaneidade.

Educação de excelência, que pressupõe professores, currículo, material e instalações físicas de ponta, figura em discursos políticos. Palavras bonitas soam bem, mas são incapazes de, sozinhas, se transformarem em ação. Precisam da mobilização social. O cidadão tem de exigir um futuro moderno para filhos e netos. Escolas do século 19, professores do século 20 e alunos do século 21 não falam a mesma língua.

(*) Dad Squarisi, formada pela UnB, é escritora. Tem especialização em linguística e mestrado em teoria da literatura. Edita o Blog da Dad.

Interligne 18bObs. deste blogueiro
PISA é acrônimo da expressão inglesa Program for International Student Assessment. A fim de conservar a sigla, os espertos franceses torceram a língua e traduziram: Programme International pour le Suivi des Acquis. Em português – ao pé da letra – fica meio esquisito: Programa Internacional para Seguimento do Adquirido.