Loteria de vistos

José Horta Manzano

Faz alguns dias, um fanático descerebrado cometeu um assassinato em massa em Nova York. Num ato incompreensível para a moral que rege nossa civilização, o sujeito tomou assento ao volante de um furgão e atropelou ciclistas indefesos. Detido pelas forças policiais, descobriu-se que era um imigrante da Ásia central, estabelecido havia vários anos nos EUA. Ficou comprovado que o assassino estava em situação regular, admitido no país pelo sistema de loteria.

Por minha parte, já tinha vagamente ouvido falar nessa bizarra prática de concessão de visto permanente por sorteio, mas nunca tinha me preocupado em investigar mais a fundo. Após pesquisa, descobri que é procedimento legal e usual há quase três décadas. A cada ano, cinquenta mil autorizações permanentes são concedidas a candidatos por esse estranho sistema de sorteio cego.

Como bom populista, Mr. Trump saltou sobre a ocasião para estigmatizar o modelo. Numa saraivada de tuítes, mostrou-se contrário ao método, que abriria as portas, segundo ele, para perigosos terroristas. Por uma vez, estou propenso a concordar com o presidente americano. Mas não exatamente pelas mesmas razões.

Segundo o que diz a mídia, o indivíduo que assassinou os ciclistas não mostrava sinais de desequilíbrio ao se estabelecer no país. A sanha terrorista desenvolveu-se mais tarde. O homem radicalizou-se nos últimos tempos, vários anos depois de tirar o bilhete premiado. Dependesse de mim, extinguiria essa loteria esquisita. Não é difícil.

Com exceção dos oriundos de um punhado de países, todo candidato a visto temporário para os EUA tem de preencher questionário e submeter-se a entrevista pessoal. Por um sim, por um não, a autorização pode ser negada. Para os que desejam estabelecer-se no país, então, o caminho é mais pedregoso. Cerca de um milhão e meio de imigrantes chegam a cada ano. O procedimento é longo e minucioso ‒ as portas não se abrem para qualquer um.

Como se vê, a estrutura das autoridades de imigração está preparada para examinar milhões de dossiês por ano. Ao deixar entrar cinquenta mil pessoas por sorteio, a meu ver, estão bobeando. Desperdiçam a ocasião de escolher os candidatos cujo potencial seria mais útil ao país. Além do mais, o sistema é cruel.

Qualquer um pode enlouquecer ou radicalizar-se a qualquer momento ‒ contra isso, não há remédio. Por mais minucioso que seja, o exame do dossiê de cada candidato não pode detectar mudanças futuras de personalidade. Mas a seleção pode, isso sim, beneficiar os mais promissores.

Enfim, não cabe a mim dar opinião na casa dos outros. Fico com meu espanto, que o problema é deles. Como se dizia antigamente, «eles, que são brancos, que se entendam».