O mal que Bolsonaro nos faz

Em azul: países que condenaram a invasão russa
Em vermelho: países que aprovaram
Em amarelo: países que ficaram em cima do muro
Crédito infográfico: Le Temps, Genève

José Horta Manzano

A Guerra de Putin, como vem sendo apropriadamente descrita por vários órgãos de imprensa, tem feito efeito de um tsunami: repentino, violento, não deixa escapar ninguém, cada um se protege no lugar que escolhe. Há quem corra para o morro, mas há alguns que correm para a praia.

Coisas nunca vistas têm acontecido. Desde que Adolf Hitler invadiu metade da Europa, na virada dos anos 1930 para a década seguinte, nada de parecido tinha voltado a ocorrer.

Em 48 horas, a Alemanha encontrou saída legal que lhe permita enviar armas a zona de guerra – ato inconcebível até a semana passada.

Após pequena hesitação inicial, o Conselho Federal Suíço (o Executivo colegiado) decidiu arranhar a histórica neutralidade do país, em vigor desde o Congresso de Viena, de 1815. Essa brecha, que permitiu a Berna opor-se à Guerra de Putin e designar Moscou como agressor, deu base legal para a adesão total da Suíça às sanções aplicadas pela União Europeia.

Os países da União Europeia inteira, mais a Suíça, fecharam seu espaço aéreo para todo e qualquer avião russo. Aviões de carreira e jatinhos privados esbarram na mesma proibição.

A China, que, faz poucas semanas, tinha recebido Vladímir Putin com tapete vermelho e juras de amor, começa a tomar suas distâncias de Moscou. É sintomático da visão longa que os chineses têm do futuro. O que a Rússia está fazendo na Ucrânia é exatamente o que a China gostaria de fazer em Taiwan. No entanto, Pequim prefere esperar. Não gostaria de sofrer as duríssimas sanções aplicadas a Moscou. Taiwan fica para quando der.

A Finlândia e a Suécia, que sempre preferiram manter-se neutras e nunca aderiram à Otan, dão sinais de rever sua posição. Quer Putin goste ou não, a realidade atual na Ucrânia mostra que abrigar-se sob o guarda-chuva do Tratado do Atlântico Norte não é mau negócio. Não há que esquecer que a Rússia é vizinha de parede da Finlândia, com 1.340 km de fronteira terrestre, em terreno absolutamente plano. Com um Putin no trono, nunca se sabe.

A perspectiva de escassez de gás e de petróleo, matérias primas que a Rússia exporta em quantidade, está levando a Europa a reconsiderar rapidamente sua matriz energética. Em vez de depender da Rússia, os europeus terão de encontrar, da noite para o dia, outro fornecedor. A longo prazo, quem vai sentir os efeitos duradouros é a própria Rússia.

É de apostar que todos os países europeus, que tinham afrouxado seus investimentos militares desde a queda do Muro de Berlim, voltem a dedicar maior fatia do orçamento a despesas bélicas. É o rearmamento em marcha forçada.

Como se vê, que Putin anexe a Ucrânia ou que aquilo se transforme num atoleiro como o Vietnã, pouco importa. A loucura de Putin teve o condão de despertar um medo que todos imaginavam morto e enterrado há 30 anos. Durante todo o período da Guerra Fria, que durou 45 anos, o mundo ocidental cultivou o pavor dos russos. Agora, justamente quando todos começavam a esquecer e considerar a Rússia como um país normal e igual aos outros, catapum! Eis que a estupidez de um autocrata de visão limitada nos traz de volta um passado de pesadelo.

Desde já, a Rússia já está excluída do conjunto das nações civilizadas. E por décadas. E a Guerra de Putin, tenha ela o desenlace que tiver, terá dado um resultado positivo: pôs a Ucrânia no mapa. Um país obscuro, perdido nos confins das estepes, pobre, do qual ninguém sabia grande coisa, agora entrou para o time dos países europeus. E não é impossível que, dentro de algum tempo, seja aceito como membro da União Europeia. E até da Otan. Ou será otimismo demais?

Enquanto isso, o Planalto resiste. No infográfico que aparece na abertura, os países que condenaram a invasão russa aparecem em azul – coincidentemente, são os mais civilizados e avançados. Em vermelho, estão os que aprovam Moscou. Em amarelo, aparece a turma que ficou em cima do muro, incluindo o Brasil de Bolsonaro, naturalmente.

Repare que estamos em má companhia. Na América Latina, nossos companheiros são Cuba, Nicarágua e Bolívia. Em seguida, vêm a China, a Índia, o sudeste asiático, o Irã, as autocracias petroleiras árabes e a África praticamente inteira.

Como dizia um antigo chanceler do capitão, o Brasil tem orgulho de ser pária. Bolsonaro segue o ensinamento à risca.

Recadinhos ressentidos

Myrthes Suplicy Vieira (*)

Para Michel Temer
Você assumiu o cargo prometendo um ministério de “notáveis”. Só esqueceu de nos dizer que vários de seus ministros – a maioria, para ser mais precisa – são notavelmente corruptos, velhas raposas políticas envolvidas em negociatas de toda espécie com partidos e com empresas estatais.

by Amarildo Lima, desenhista capixaba

Fez um papelão em público ao usar sua mulher “bela, recatada e do lar” como referência para caracterizar a importância de todas as mulheres brasileiras em termos econômicos, sociais e políticos. Parece continuar acreditando que basta ter um penduricalho no meio das pernas, inchar o peito, fazer pose de estadista e usar linguagem gramaticalmente correta para se diferenciar da antecessora e conquistar credibilidade.

Esforço inútil, caro presidente: a expressiva maioria da população já sabe que tudo o que conseguimos foi trocar seis por meia dúzia. Em tempo: governar e permitir que seu partido legisle de costas para a cidadania também não vai dar certo, acredite. Lembre-se do que aconteceu com sua predecessora quando, de olhos esbugalhados, ela foi à televisão dizer em cadeia nacional que havia escutado a voz das ruas e depois esqueceu o que ela dizia.

Para Donald Trump
Você certamente tem o direito de eleger suas prioridades em quaisquer áreas de seu governo. Falando especificamente de sua opção pela volta da exploração em larga escala do carvão, quero alertá-lo quanto a uma providência imprescindível que você terá de tomar antes mesmo de implementar o projeto: cercar todo seu país de muros e vidros, e colocar sobre eles uma cúpula gigantesca para impedir que a poluição atinja seus vizinhos, outros países e outros continentes.

Quem sabe respirando as consequências de seu gesto, você perceba em sua pele, suas narinas e seus pulmões que o aquecimento global não é “fake news” nem artimanha inventada pelos chineses, como você acreditava.

Para os que participam da blogosfera
O torpor parece estar se alastrando e contaminando editores e principalmente leitores da blogosfera(*). Quando leio um post, não deixo de dar uma espiada em eventuais comentários deixados pelos que me precederam. (Confesso que às vezes tem comentário mais interessante que o próprio artigo. Mas essa já é uma outra história.)

O que tenho constatado é a crescente falta de reatividade dos que leem. Um comentariozinho aqui, dois ali, mais um acolá… é de uma pobreza de dar dó. Fica uma desagradável impressão de injustiça. Pode não parecer, mas escrever um artigo com começo, meio e fim, com fio condutor, com lógica e com cuidado ortográfico dá trabalho. Pode levar horas. No final, o que é que acontece? O escriba acaba se sentindo como o cantor de churrascaria que solta trinados em meio a um festival de talheres caindo, de cadeiras arrastadas, de conversas em voz alta, de risadas, de choro de crianças.

Não é queixa, acreditem, é mera constatação. Se bem que… fica aqui o recadinho. Quem tiver gostado, que se manifeste! Caso não tenha apreciado, que se manifeste também, ora. Coragem, minha gente! Como diria minha mãe, “de boas intenções, o inferno está cheio”.

(*) Blogosfera
Para atividade nova, palavra nova, uai! O crescente número de fazedores e de leitores de blogues está a exigir um termo coletivo. Vários têm sido propostos: bloguiverso, bloguelândia, bloguespaço, bloguistão(!). Um deles acabará se impondo, são os usuários que decidirão. Por ora, fico com blogosfera, que me parece simpático.

(*) Myrthes Suplicy Vieira é psicóloga, escritora e tradutora.