As flores do Itamaraty

José Horta Manzano

Artigo da Folha de São Paulo deste 12 fev° traz informação sobre o dinheiro gasto pelo Itamaraty com arranjos florais. Relata o edital lançado para aquisição de corbelhas e coroas destinadas a engalanar recepções a autoridades estrangeiras.

Até aí, nada demais. É função daquela Casa cuidar do trato de assuntos externos e de tudo o que lhes é correlato ― cerimonial e protocolo incluídos. O espanto vem da justificativa que o Ministério das Relações Exteriores houve por bem inserir no edital.

Para começo de conversa, não me parece que o Itamaraty deva «justificar» a compra de adornos para suas recepções. Flores em jantar de gala são tão indispensáveis como bolo em aniversário de criança.Banquete 2

A jornalista da Folha transcreve o trecho do edital em que nossas autoridades, numa inacreditável atitude de quem pede desculpas ao País, explicam tropegamente a razão da compra:

«As flores contribuem para que seja transmitida às autoridades estrangeiras uma melhor impressão do país anfitrião, o que se traduz por ganhos institucionais para o governo brasileiro.»

No gênero hipocrisia ingênua, a argumentação é imbatível. O uso do cachimbo ― eh, la vem o cachimbo de novo… ― faz a boca torta. Depois de anos de doutrinamento, o Itamaraty também acredita que a aparência externa impressiona visitantes e facilita o relacionamento.

Lendo com bastante atenção o palavrório empolado do edital, repara-se que o que se busca são ganhos institucionais para o governo. O País? O povo? Os interesses do Estado? Benefícios para a nação? Quéqué isso?

De você, de mim ― gente comum ―, pode-se admitir que não façamos distinção entre Estado, governo, país e nação. Dos doutores do Ministério das Relações Exteriores, é intolerável. Essa diferenciação faz parte intrínseca do manual diplomático. Portanto, quando dizem “governo”, querem dizer exatamente isso: governo. Referem-se aos governantes de turno, àqueles que ocupam momentaneamente o topo da pirâmide.

Banquete 1Francamente, os atuais inquilinos do andar de cima navegam em nuvens. Perderam de todo o contacto com a realidade nacional. Não conseguem mais esconder o verdadeiro escopo de todas as suas ações: incensar o governo e contribuir para sua eternização no poder.

Tu quoque, Itamaraty ― até tu, Itamaraty!

O último traço do antigo garbo da Casa de Rio Branco reside no ípsilon final: Itamaraty. Na geonimia ― a arte de nomear pontos geográficos ―, a muito poucos é concedida a licença de conservar marcas do que já foi. Paraty, Bahia, Itamaraty, não chegam a meia dúzia.

É bom saber que, junto ao raro e simpático ípsilon, estão também as flores. Um pouco murchas, é verdade, mas hão de resistir até que advenham tempos melhores.