Pimenta nos olhos

José Horta Manzano

Pimenta em olhos alheios é refresco, todo o mundo sabe disso. Incêndio na casa dos outros é espetáculo. Ver terras distantes cair em apuros é curiosidade. Contagem de mortos em transtornos de grande amplitude é estatística.

Estes dias, o espetáculo dado por uma cantora chamada Madonna e o dilúvio que castiga o Rio Grande do Sul têm competido no noticiário internacional. Até os jornais televisivos falaram dos dois fatos.

Para quem vive longe do Brasil, as tragédias climáticas que têm agredido nossa terra ultimamente são como incêndio na casa dos outros: não levam ninguém ao desespero. Já para os que moram no território nacional, o drama está fisicamente mais perto, portanto é mais envolvente.

Pouco a pouco, severos desastres climáticos por toda parte vão confirmando os gritos de alerta que climatologistas têm lançado nas últimas duas décadas: o planeta está se aquecendo e o clima está mudando rapidamente.

O que se esperava para 2050 está acontecendo já agora. O ritmo das mudanças vai se acelerando. Parte da China está afundando. Com a subida do nível dos oceanos, países insulares do Pacífico estão desaparecendo. Na Europa, faz dois anos que cada mês representa um recorde de temperatura em comparação com a média das décadas anteriores para o mesmo mês.

No Brasil, o que vemos são períodos de calor extremo que se repetem, nem bem acaba um, já vem o outro. Calor fora de época, como esse que assola o Sudeste em pleno mês de maio. Que dizer então do dilúvio catastrófico que atingiu o Rio Grande do Sul, seguido de mortos, feridos, desalojados temporários (que não conseguem voltar pra casa) e desabrigados perenes (que perderam a casa). Dois terços do estado foram atingidos – uma calamidade de proporções bíblicas.

No Brasil, a praga do cepticismo climático não é tão generalizada como em outros países. Por seu lado, a consciência da urgência climática também não é arraigada entre os cidadãos.

Vamos esperar que, de tanta desgraceira, saiam pelo menos duas consequências positivas. Por um lado, que o grasnido agourento de nossos urubus negacionistas se cale; por outro lado, que o povo brasileiro comece a se conscientizar de que, para amenizar e retardar a degradação do planeta, é preciso contar com a ação conjunta de todos os habitantes da Terra.

Cada um tem de fazer sua parte. Está mais que na hora de o governo programar campanhas nacionais de conscientização.

O fim do mundo

José Horta Manzano

O francês Luc Mary, nascido em 1959, historiógrafo de formação, é escritor sui generis. Para seus livros, tem o dom de escolher temas e títulos irresistíveis, daqueles que nos incitam a comprar sem hesitar.

Desde a primeira, de 1980, já assinou mais de uma vintena de obras, praticamente todas variando ao redor de temas histórico-geográficos. Em tradução caseira, aqui está uma pequena coleção de seus títulos:

     * Viagem à extremidade da galáxia : Primeiro guia turístico da Via Láctea
     * Verdades e invencionices da História da França
     * Os quatro Napoleões
     * Essas descobertas que escondem da gente
     * As decisões mais absurdas da História
     * Os últimos segredos da Guerra Fria
     * As mentiras mais incríveis da História
     * O mito do fim do mundo

Após minuciosa pesquisa, Monsieur Mary catalogou nada menos que 183 previsões de fim do mundo já registradas por nossa História ocidental. Dentre aquelas de que sobrou notícia, as mais antigas datam da alta Idade Média.

Conforme a época em que eram feitas, as predições pressagiavam catástrofes baseadas na atualidade de então. Erupções vulcânicas, dilúvios, terremotos, línguas de fogo eram o apocalipse imaginado até meiFim do mundoo século atrás.

A partir da invenção da arma atômica e do surgimento da Guerra Fria, passou-se a conjecturar que o mundo acabaria em consequência de contaminação nuclear.

Desde que, nos anos 60, o homem voltou os olhos para o espaço e imaginou que poderia haver vida alhures, pareceu evidente que o fim do mundo só podia ser obra de invasores alienígenas verdes, baixinhos, orelhudos e mal-intencionados.

Esta 183a. previsão é clara quanto à data: será amanhã, 21 de dezembro de 2012, sem falta. No entanto, o presságio é menos preciso quanto aos meios. Um asteroide? Uma invasão de homenzinhos verdes? Um dilúvio universal? Sabe-se lá.

Para quem fizer questão de sobreviver, há um meio infalível ― pelo menos é o que assegura um guru da localidade de Bugarach, aldeia de menos de 200 almas, situada no sul da França. Segundo a previsão do guia, um vórtice se abrirá naquele ponto preciso do planeta, sugará os humanos que por lá se encontrarem e os transportará para lugar seguro.

A municipalidade, assustada com o previsível afluxo de turistas, de crédulos e de curiosos, pediu ajuda a Paris. O governo tratou de despachar forças policiais para cingir o vilarejo e impedir a entrada desse povaréu todo. A partir de hoje, já ninguém mais pode entrar.

É pena. Poucos serão salvos pelo remoinho providencial. Quem viver verá.