José Horta Manzano
Donald Trump é bom exemplo de pessoa certa no lugar errado.
Pessoa certa por quê? Porque algum jeito para negócios há de ter. A boa estrela não teria sido suficiente para fazer um indivíduo progredir de milionário a multibilionário no espaço de 40 anos. Nem maracutaia grossa de político brasileiro alcança essa amplitude. Para negócios, não resta dúvida, o moço tem talento.
Lugar errado por quê? Porque a presidência dos EUA não é trono pra qualquer um. Mandatário que, além de inexperiente, vem imbuído da arrogância dos que se acostumaram a comprar tudo com dinheiro, periga escorregar feio. E se, ao resvalar, acabar levando o tapete junto, pode causar desastre planetário.
Semana passada, Mr. Trump teve uma conversa telefônica com a presidente de Taiwan. Um distraído poderia perguntar: “E daí?” A resposta é que um diferendo entre a China continental (Pequim) e Taiwan (Taipei, ilha de Formosa) perdura há quase 70 anos. O bate-papo foi mal recebido lá pelas bandas de Pequim.
A revolução comunista comandada por Mao Tsé-Tung nos anos 1930-1940 acabou vencendo as tropas nacionalistas ao fim de quase 20 anos de combate. No ano de 1949, a China toda estava dominada e o regime comunista, instalado. Sobrou uma pequena exceção: a ilha de Formosa ‒ que, diga-se de passagem, herdou o bonito nome dos primeiros portugueses que ali desembarcaram faz meio milênio.
Nessa ilha, que os nativos chamam Taiwan, os vencidos da guerra civil se refugiaram e fundaram uma república não-comunista. Apoiados pelos EUA, receberam ajuda comercial e militar. Foram admitidos na ONU, ao passo que a enorme China continental foi descartada. A situação perdurou até que, durante o governo Nixon, os papéis se inverteram. Em 1971, sob pressão americana, as Nações Unidas excluíram a pequena ilha e passaram a reconhecer a China continental como representante única do povo chinês.
No entanto, a perda de assento na ONU não significou o banimento da ilha do comércio internacional. Os Estados Unidos continuaram a fornecer armamento e as relações comerciais com os demais países continuou, criando uma situação esdrúxula. No oficial, Taiwan não existe. Na prática, tem sido importante ator do comércio mundial. O delicado equilíbrio vem se mantendo há 45 anos.
O telefonema entre a presidente de Taiwan e Mr. Trump desagradou as autoridades de Pequim, para as quais a ilha não é país independente, mas simples «província rebelde», um filho desgarrado. Esta semana, o presidente eleito dos EUA foi mais longe. Em entrevista, aventou a possibilidade de vir a reconhecer a «província rebelde» como país independente, hipótese inaceitável para a China continental, que nunca desistiu de reintegrar os taiwaneses à patria mãe.
O assunto é pra lá de sensível. Para a China, os EUA são parceiros comerciais de suma importância. E vice-versa. Pra completar o quadro, os chineses são os maiores credores dos Estados Unidos. A interdependência é forte ‒ uma ruptura causaria um tsunami de consequências inimagináveis.
Ninguém sabe como a situação vai evoluir, mas é certo que a inexperiência e a ousadia de Mr. Trump ainda vão provocar muito ranger de dentes. O mundo ainda vai levar umas sacudidas. Quem viver verá.


