Unção dinástica

José Horta Manzano

Quando o capitão Bolsonaro designou seu primogênito para suceder-lhe, muita gente se surpreendeu. Consideraram que o ungido talvez não dispusesse do estofo necessário para o sublime encargo de presidir nossa república. Outros acharam que, além de não estar à altura das expectativas do pai, o primogênito fosse ruim de voto – fato que, na outra ponta, teria deixado entusiasmada a oposição.

Em primeiro lugar, vamos nos pôr de acordo. Em monarquias tradicionais, não cabe ao monarca designar seu sucessor – antigas regras se encarregam de fazê-lo. Já num nascente arremedo de dinastia, como a dos Bolsonaros, tradições não há. Eis por que, com as regras ainda por escrever, coube ao patriarca apontar o próprio sucessor.

Mesmo agrilhoado pelos ferros que o entravam nos calabouços da república, teve lucidez suficiente para dar-se conta de que seu reino tinha chegado ao fim e que era chegada a hora de abrir mão de alguma ilusão de poder que ainda subsistisse. Está aí a grande prova de lucidez de um homem que, por fim, se deu conta de estar encarcerado.

Só se as circunstâncias forem realmente adversas, o filho primogênito deixará de ser candidato à sucessão do pai. Mas o caminho fica traçado: cabe ao rei posto designar o sucessor. Todo e qualquer pretendente que ouse apresentar-se como candidato legítimo a suceder ao monarca caído não passará de reles usurpador.

Até aqui, falamos de sonhos e fantasias. Na vida real, Bolsonaro acaba de se dar conta de que o futuro de seu sobrenome está comprometido. Um dos filhos, aquele que conspirou contra o Brasil, nâo deve voltar à pátria tão cedo. Outro rebento jogou a toalha e renunciou definitivamente à política. O filho mais jovem não parece ter envergadura suficiente para voos mais altos: elegeu-se vereador por uma estação balneária catarinense. A esposa é uma figura; dizem as más línguas que não passa de aventureira sem lastro e sem passado.

Eis por que o capitão entregou o bastão ao primogênito: por falta de opção.

Essa novela brasileira se encaixa no modelo latino-americano de tentativas pseudodinásticas. Já aconteceu no Peru, com Alberto Fujimoro, que designou a filha, sem sucesso. Já surgiu na Argentina, com Juan Domingo Perón, que transmitiu o encargo à esposa, que levou a aventura ao desastre. O caso do Haiti foi outro que terminou em tragédia, com Duvalier pai morto e Duvalier filho exilado.

O Brasil decente gostaria que a campanha eleitoral do ano que vem assinalasse o enterro dos populismos grosseiros que nos atormentam há décadas. “De direita” ou “de esquerda”, que acabem todos comendo poeira e abrindo alas para nova geração de políticos mais comprometidos com o eleitor do que consigo mesmos. Não custa sonhar.

2 pensamentos sobre “Unção dinástica

  1. O parlamento, na madrugada passada, de terça feira para quarta-feira, às 02h30, aprovou uma nova “dosimetria”, de certa forma, anulando as dosimetrias dadas pela Suprema corte do Brasil. Não sabia que o parlamento tinha esse direito. Todas as votações mais bombásticas têm sido votadas na calada da noite, quando o povão está em sono profundo e a imprensa já se retirou das luzes da ribalta que é o congresso nacional. O saudoso estilista e deputado federal Clodovil Hernandes dizia que estava querendo propor um projeto de lei para acabar com essas votações na madrugada. Dizia ele: “é preciso acabar com isso, essas votações na calada da noite, uma coisa escusa, às escondidas. Um monte de velho votando na calada da noite. Isso é o fim do mundo.”

    Com a nova manobra, cujo relator foi o corrupto sindicalista e deputado federal Paulinho da Força, faz com que Jair Bolsonaro e os demais condenados fiquem em regime fechado por uns 2 anos apenas. É uma aberração.

    Ou seja, as decisões da Suprema Corte não valem para mais nada!

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    • O presidente da República dá golpe para tornar-se imperador. Aberração.

      O STF condena uns bagrinhos ignorantes a 14 e 17 anos. Aberração.

      O Parlamento vota na calada para “corrigir” penas impostas pelo STF. Aberração.

      Todos errados. Tudo de ponta-cabeça.

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