Cura gay

José Horta Manzano

Vamos considerar que o autor dessa matéria da Folha deixou escorregar esse “Influencers” sem querer. Vamos dizer que, sinceramente, ele pretendia escrever “Influenciadores”. Pronto, faz de conta que foi assim, se não vamos passar o resto do dia reclamando. (À toa, presumo.)

Esse título me deixou meio desconcertado. A “cura gay” é permitida ou proibida? O subtítulo diz que, há 25 anos, a ‘terapia’ é vedada pelo Conselho Federal de Psicologia. Tem gente ainda praticando essa falcatrua. E aí? Como é que fica? Pode abrir processo ou a vedação do Conselho de Psicologia não vale nada? Afinal, pode ou não pode?

Se bem entendi, “influencers” – uma casta que não sobreviveria sem a intensa e permanente exposição da própria imagem – andam se valendo de “discurso religioso” (seja lá o que isso quer dizer) para a apologia da ‘cura gay’. Se fazem isso à luz do meio-dia, é sinal de que não arriscam nada. Portanto, pode-se concluir que a vedação mencionada só vale para psicólogos, e que exorcistas modernos continuam tentando expulsar o demo do corpo dos infelizes que lhes caem nas garras.

Coitadas das vítimas! Devem ser centenas, até milhares, pelo Brasilzão todo. Pessoas simples, que acreditam que sua orientação sexual não é inata, mas que foi distorcida por entidades cruéis, especializadas em perseguir e atormentar. Coitadas das vítimas!

É meritório que o Conselho Federal de Psicologia já tenha proibido a seus membros o uso dessa terapia. Mas uma regra que concerne unicamente aos psicólogos não basta. Essa proibição teria de alcançar também médicos, enfermeiros, psiquiatras, clérigos, pastores. Como fazer, então?

Não faz sentido esperar que cada confraria institua em seu seio a mesma proibição. O mais lógico será fazer uma lei – federal e de âmbito nacional. A pressão tem de ser colocada sobre os representantes do povo (senadores e deputados) para que discutam e votem, o mais rapidamente possível, um texto de proibição de terapia de “cura gay” em todo o território nacional.

O Brasil é um país curioso, no qual uma parte da população acredita que a Terra é plana. Assim mesmo, não faz sentido acariciar e conservar em nossos constumes uma prática medieval.

3 pensamentos sobre “Cura gay

  1. Entendo que o governo não teria “jurisdição” para proibir a “cura religiosa” dos gays. Se o fiel consentir com a prática, não há o que fazer. Acho que seria preciso, além da sua sugestão, elaborar e instituir um programa federal de educação e de conscientização sobre os direitos da pessoa gay e dos malefícios psicológicos dessa prática infame.

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    • Na Suíça, o Parlamento Federal considera, desde 2006, que essas “terapias de conversão”, como são aqui chamadas, são contrárias aos direitos infantis, logo, ilegais para menores de idade. Quanto à proibição universal, as unidades federativas (cantões) vão se movendo aos poucos.

      Este mês, Neuchâtel foi o primeiro cantão a instituir em lei, em seu território, a proibição formal de toda terapia de conversão de orientação sexual. Esse pioneirismo deverá acelerar a adoção de legislação semelhante nos demais cantões.

      Essas práticas são consideradas ‘atos de tortura ou ainda ‘tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes, segundo a ONU, o que abre o caminho para enquadramento na lei penal. Tirando países autocráticos, atos de tortura são proibidos em todas as democracias (pelo menos na teoria).

      No Brasil não deveria ser diferente. Se atos de tortura são enquadrados na lei penal, basta o projeto de lei contra a ‘cura gay’ se basear na boa argumentação de seu relator. Mas o chato é que nem sempre se encontram, no Congresso, oradores à altura.

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      • Eu não poderia concordar mais com as iniciativas legislativas da Suíça. Infelizmente, duvido que no atual congresso brasileiro possa ser encontrado um parlamentar que aceite apresentar um projeto de lei para enquadramento da cura gay como crime de tortura; apesar de saber da existência de um combativo senador gay, Fabiano Contarato, duvido que a proposição fosse aceita em qualquer comissão de justiça e, menos ainda, em plenário. No entanto, o DSM – que é o manual de diagnósticos psiquiátricos pelo qual se pautam todos os médicos e psiquiatras – já deixou claro há mais de 10 anos que a homossexualidade não é doença. Portanto, só leigos e religiosos poderiam em tese realizar esse procedimento e, mesmo assim, isso seria considerado exercício ilegal da medicina.

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