José Horta Manzano
“Les voyages forment la jeunesse” (As viagens formam a juventude) é citação do filósofo francês Michel de Montaigne (1533-1592). A frase tornou-se um aforismo da língua francesa, que ressurge na linguagem comum sempre que o contexto favorece.
Faz sentido. Viajar, sobretudo deslocando-se lenta e demoradamente como se fazia no tempo de Montaigne, é atividade excelente para alargar o horizonte de jovens e de menos jovens. Se todos os humanos pudessem passar pelo menos um ou dois anos fora da terra natal, nem que fosse só uma vez na vida, o mundo seria certamente melhor.
Li um artigo do cientista político Bruno Soller, publicado semana passada no Estadão, comentando os resultados da mais recente pesquisa do instituto RealTime Big Data. O estudo conclui que 67% dos brasileiros de 16 a 35 anos sairiam do Brasil se lhes fosse possível. Quando dizem “sairiam”, não se referem apenas a um fim de semana na Disneylândia – sairiam de fato, definitivamente, de mala e cuia, firme sempre pra frente.
Seja qual for o ângulo de leitura desse resultado, a realidade é inescapável: quando 2 em cada 3 jovens gostariam de abandonar o país sem olhar pra trás, é sinal de que alguma coisa está tragicamente errada.
Observando o número de brasileiros vivendo atualmente no exterior, já temos uma rápida visão do problema. Em Portugal, entre legalizados e clandestinos, nossos compatriotas já estão batendo no meio milhão de indivíduos. Num país de 10 milhões de habitantes, esse contingente barulhento começa a incomodar e a alimentar o discurso xenofóbico da extrema direita.
O Itamaraty calcula que pouco menos de 2 milhões de brasileiros vivam hoje nos EUA. Não há razão pra duvidar dos cálculos do governo brasileiro, mas não seria espantoso se esse número estivesse subestimado.
Pelos mesmos motivos, o total de brasileiros no exterior, calculado pelo Itamaraty em 4,6 milhões, pode, na realidade, ser maior.
O Itamaraty registra 64 mil brasileiros residindo na Suíça. O número verdadeiro é bem mais elevado. Ao longo dos anos, conheci brasileiros que vivem aqui há décadas na mais perfeita clandestinidade, sem existência administrativa, sem autorização de permanência, sem seguro de saúde, sem contribuir para a aposentadoria. São não-pessoas. E esse é, sem sombra de dúvida, o caso não invejável de multidões de brasileiros pelo mundo.
Acho de uma tristeza infinita que 2/3 dos jovens brasileiros estejam dispostos a pagar coiotes no México, a suportar clandestinidade na Europa, a ser hostilizados em Portugal, contanto que se livrem de um Brasil violento que virou purgatório para pecadores e inocentes.
A tragédia a que assistimos hoje é resultado de décadas de corrupção, de domínio das instituições por capitães do mato que se dedicam ao ataque organizado e sistemático contra os dinheiros públicos, de desprezo para com o povão abestalhado que os elege, de acaparamento do que é de todos por camarilhas hereditárias. Eis a fonte da obesa miséria que mantém na ignorância contingentes desdentados.
Se todos os brasileiros que desejam fazer as malas e partir definitivamente forem bem-sucedidos, o país vai se esvaziar. Será a solução para o excesso de natalidade, mas será a condenação do país a se tornar um Brasil decadente, cada vez mais pobre, travado, sem futuro e sem esperança.
Não sei se é isso que queremos, mas tudo indica que é a isso que nos dirigimos.

Tenho 79 anos, lembro de Getulio até os dias de hoje sempre na esperança de melhora. Infelizmente tudo tem piorado , na educação, segurança, habitação, corrupção, saúde. Parece intencional manter o povo sempre na linha de pobreza, distribuindo uma esmola aqui e ali na certeza do voto de cabresto. Percebo também que o brasileiro adora essas esmolas e não fazem nada para melhorar, acomodou-se com o mínimo.
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Segundo dados do IBGE, cerca de 51% dos trabalhadores formalmente registrados no Brasil, i.e., com carteira assinada por uma empresa, ganha um salário mínimo (R$1.200,00 se considerarmos os descontos na fonte). Num país onde metade da população economicamente ativa recebe isso, num país onde os preços se igualam aos preços de país de primeiro mundo, tudo é caríssimo, o desejo é sem dúvida ir embora. Sem mencionar outros fatores trágicos da realidade brasileira: violência sem controle, falta de saúde, educação precária, maior parte da população em estado de miséria, corrupção sem controle, etc.
Sempre fui uma pessoa muito sensível (muitos chamam “sensitivo”). Digo isso para explicitar várias experiências que tive trabalhando fora do Brasil (EUA). Voltava ao país anualmente, de férias. Em geral, o voo incluía uma conexão no Rio de Janeiro, antes de eu seguir para outra cidade e a sensação que eu tinha ao pisar no aeroporto do Galeão, era de um ar pesado, carregado, um sentimento de insegurança pairando no ar. Já no voo de regresso aos EUA, ao pisar em Miami ou em Chicago, vinha um sentimento de segurança e um ar menos pesado, muito menos. Talvez as agruras do Brasil sejam ligadas a algo muito maior, algo que os nossos olhos e o nosso intelecto não conseguem ver.
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Um amigo meu que reside num subúrbio de Recife sempre me diz que as pessoas do bairro estão indo pra Europa. O bairro daqui a pouco ficará vazio. Nesse caso, alguém da família vai clandestino, começa a ganhar dinheiro e passa a levar os demais membros da família.
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Para um país que se imaginava “do futuro”, o baque é forte.
O Brasil é um barco que faz água. Quem não se atirar ao mar vai afundar junto. Salve-se quem puder!
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Tem um cientista de geopolítica que diz que nós somos um povo com uma mentalidade altamente individualista. Somos 215 milhões de ilhas, cada uma vive independentemente das outras. Nosso sentimento de nacionalidade e de pertencimento ao lugar inexiste. Nossa maior demonstração de “nacionalidade” é quando existe um jogo de futebol da seleção. Para resolver os problemas graves do país, esse sentimento de pertencimento, que nos levaria a tentar melhorar as questões graves da nação, nunca vêem a superfície. No patamar de 55 anos de caminhada pelo Brasil, eu descobri que não há solução. Somos todos omissos, ineptos, cúmplices e participantes desta cleptoctacia.
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Tem absoluta razão, não adianta esconder. É triste, chato e decepcionante constatar isso depois de ter vivido uma vida (quase) inteira.
O mais consternante é a sensação de impotência. Sabemos que o tempo vai passar e tudo vai sempre continuar como agora. Se mudança houver, só pode ser pra pior.
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Depois de muito ler, tenho a percepção de que a mentalidade dos brasileiros tem muito a ver com os atos de corrupção deixados aqui pelaa ações dos colonizadores. Muitos tentam minimizar essa má influencia, mas as engrenagens construídas naquele período realmente parecem estar enraizadas em todo o modus operandi dos brasileiros, mesmo que não seja perceptível e até negado por muitos. Acredito no ditado popular que diz: “Pau que nasce torto, morre torto.” Li um artigo muito curioso: “Quando cometemos atos de corrupção, quando tentamos corromper o fiscal de trânsito a não nos multar por alguma infração, quando os políticos aceitam propinas para votar a favor de alguém, quando depredamos um bem coletivo, tudo é uma desforra contra a metrópole, Lisboa. É como se sussurassemos “é a nossa vingança “. Por isso o brasileiro não sente vergonha quando mente ou quando comete crimes. Tudo é contra Lisboa, nunca contra o Brasil. Por isso a Justiça a todos inocenta. O culpado é o rei de Portugal. Nunca tomamos posse e responsabilidade pelo Brasil. Continuamos a pensar que Lisboa é a responsável. Isso é mais fácil para os colonizados, que ficam isentos de maiores responsabilidades pelos seus atos. Mas no mundo real, que os brasileiros não querem se dar conta, é que a grande metrópole Lisboa já não pode ser responsabilidade por seus crimes pretéritos. Ou seja, nossa acusação não é mais válida todavia é confortável manter esse mentalidade, a qual não nos levará a lugaralgum.”
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Sua reflexão é interessante, mas não tenho certeza de estar totalmente de acordo. Sua teoria anda de braços dados com aquela que reclama que “os portugueses levaram nosso ouro!”.
Tirando os índios, que cá já tinham chegado, todos os que vieram depois do descobrimento eram colonizadores. Portugueses das primeiras levas e imigrantes de levas mais recentes. Até os escravos africanos que vieram à força fazem companhia, de certa forma, aos colonizadores.
Portanto, o que quero dizer é que colonizadores somos nós todos, menos os índios. Ainda que nossos antepassados tenham arribado a estas costas apenas 100 anos atrás, somos virtualmente colonizadores, exatamente como os de 1532, que fundaram São Vicente.
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