José Horta Manzano
Início de ano é tempo de resenhas. Há listas dos principais fatos políticos do ano que acabou. Há relações dos melhores filmes. Num registro um pouco mais tétrico, há quem leia (e aprecie) o relato cru das piores tragédias dos últimos 12 meses, com número de mortos e feridos e até com vídeos. As músicas mais tocadas do ano também são objeto de resenhas. Há muita gente que busca na rubrica “People” quem se casou com quem, quem se divorciou, quem trocou de cônjuge – casamento e descasamento de astro, estrela e influenciador é sempre mais interessante que o casamento da vizinha.
Sem que eu estivesse à procura, me caiu no colo uma resenha – que proseia e tem feição, ou seja, com som e imagens – dos falecidos em 2023. Está lá uma centena de personalidades. Conheci bem alguns deles e soube de outros só de ouvir falar. Alguns eu nem sabia que ainda estivessem vivos. E há ainda aqueles (muitos) de quem nunca tinha ouvido falar. Mas acho que é normal. Assim como um adolescente de hoje não sabe quem foi Francisco Alves, o rei da voz, nós, os veteranos, temos alguma dificuldade em acompanhar a trajetória artística de um DJ da atualidade.
Me ocorreu que, assim como a imensa maioria dos terráqueos, nunca terei a honra de aparecer em nenhuma resenha póstuma. Devo dizer que esse nunca foi meu objetivo maior. Mas não chego ao pessimismo de um Antônio Maria que, em 1953, escreveu um samba-canção que dizia assim:
Se eu morresse amanhã de manhã
Minha falta ninguém sentiria
Eu seria um enterro qualquer
Sem saudade, sem luto também
Aí, já é fossa demais. O fato é que, tirando personagens públicos, a lembrança dos que se foram só perdura na mente dos que conheceram o falecido pessoalmente. Em princípio, ninguém tem saudade de um antepassado que não chegou a conhecer. Você se lembrará de sua vovozinha e talvez guarde até um sentimento por ela, mas é evidentemente incapaz de se lembrar do avô que era já falecido quando você nasceu.
Então, salvo se trate de personalidade muito famosa, a lembrança de alguém que faleceu segue sempre o mesmo esquema: dura enquanto não se forem todos os que conheceram pessoalmente o falecido. Quando não sobrar mais nenhuma testemunha visual, a lembrança se apagará. Retratos e histórias familiares prolongarão um pouco a memória. Depois disso, o tempo vai fazer sua obra e a lembrança vai virar poeira.
Todos temos de ir embora pra deixar espaço para os que virão. É assim que funciona a natureza.

Por coincidência, ontem à noite assisti a um documentário sobre Adoniran Barbosa e descobri que Osvaldo Moles, o genial cronista que nos encantou na juventude, criou uma série de personagens para ele. Certamente não se fazem mais escritores e compositores como os de antigamente.
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Problema para mim não é morrer amanhã de manhã, mas demorar muito mais que isso. Aí sim vejo um quadro da letra dessa samba-canção.
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