José Horta Manzano
Certos pormenores, embora pareçam insignificantes, dão recado certeiro. O distinto leitor já terá reparado que, no Brasil, fala-se muito mais em direitos do que em deveres, pois não?
Desde o sublime direito de ir e vir até o folclórico «exijo meus dereito», passando por todas as garantias intermediárias, sempre tive a impressão de que temos direitos demais e deveres de menos.
Diz a lógica que não se pode gastar o que não se tem. A Lei de Responsabilidade Fiscal é materialização desse princípio. A cada despesa, tem de corresponder uma receita, caso contrário, o jeito é tomar dinheiro emprestado. E endividamento em excesso acaba provocando, sabemos, o rompimento da corda. Em geral, do lado mais fraco, que assim são as coisas.
A mesma lógica ensina que, a direitos, hão de corresponder deveres. Se o trabalhador tem direito a salário, tem o dever de trabalhar para merecê-lo. Se o espectador tem direito a assistir a um filme, tem o dever de pagar o bilhete de entrada no cinema. Se vigora o direito ao pensamento crítico e à sua livre expressão, contrapõe-se o dever de respeitar a honra e a dignidade da pessoa criticada.
A Constituição é o arcabouço de nosso contrato social. Nenhuma lei, nenhum dispositivo, nenhum regulamento pode contrariá-la. Assim, direitos e deveres básicos já constam, em esboço, em nossa Lei Maior. Não sei se alguém já teve a curiosidade de contar quantas vezes os termos «direitos» e «deveres» aparecem no texto de 1988.
Pois eu tive. É singular. A palavra direitos, no plural, é mencionada 78 vezes. Surpreendentemente, o termo deveres, só aparece… 6 vezes. O distinto leitor leu bem: meia dúzia de vezes. Em nosso país, a não relação ‒ pra não dizer o divórcio ‒ entre os dois conceitos parece institucionalizada.
Maldade
Levei a curiosidade um pouquinho além. Quis saber qual era a relação entre 78 e 6. Dividindo um pelo outro, dá exatamente 13. Ô numerozinho complicado, sô! Na dezena, é borboleta. No grupo, é galo. No andar de cima, está mais pra ave de rapina.
É pura coincidência. Aquele partido político ‒ hoje em via de expulsão dos polos do poder ‒ sequer deu voto favorável à Constituição de 1988.



Verdade verdadeira, por aqui adoramos os direitos mas nem saber das obrigações. Daí disfarcarmos, com charme e simpatia, a obrigação de cumprir com os deveres
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Genial, Manzano. Além de ser divertido, seu texto me fez refletir um pouco mais sobre essa relação capenga entre deveres e direitos que está entranhada na nossa cultura, até mesmo no âmbito constitucional. É por isso que eu gosto de ler o seu blog todos os dias!
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Agradeço a ambas pela fidelidade e pelas palavras gentis.
Forte abraço.
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