Habebimus novum papam! (*)

José Horta Manzano

Clemente IV ― papa francês nascido em Nîmes ― faleceu em 1271. Como de costume, os cardeais se reuniram para escolher um sucessor. As deliberações se eternizavam. Passavam-se as semanas, os meses, e nada de decisão. Os cardeais eleitores continuavam a reunir-se, a discutir, a pelejar, sem conseguir chegar a um acordo.

Depois de 3 anos (três anos!), o segundo escalão da Igreja e também os fiéis já não aguentavam mais. Parecia brincadeira! Alguém teve então a astuciosa ideia de trancar o colegiado de cardeais numa sala e proibi-los de sair enquanto não tivessem chegado a um acordo sobre o sucessor do papa Clemente.

A palavra conclave, que chegou até nossos dias, tem origem exatamente nesse episódio digno do parlamento de certas repúblicas de bananas. A expressão latina cum clave quer dizer, literalmente, com chave. Ficaram Suas Eminências trancados à chave. E alimentados a pão e água.Chave

Foi medida eficaz: em brevíssimo tempo, o italiano Tebaldo Visconti foi eleito por seus pares. Adotou o nome de Gregório X e reinou até falecer, uns 5 anos mais tarde.

Por determinação do próprio Gregório, a tradição foi mantida e permanece até nossos dias: chegada a hora de escolher o novo chefe da Igreja Católica, os cardeais são simbolicamente trancados numa sala do Vaticano. O magro regime de pão e água, por demasiado espartano, foi atenuado. Hoje são servidas refeições normais. Talvez por receio de voltar à antiga dieta, os eleitores nunca mais deixaram que as discussões durassem tanto tempo.

Um novo conclave está para ser convocado, questão de poucas semanas. Vista a idade provecta de muitos dos participantes, o cardápio dificilmente incluirá feijoada, torresmo pururuca ou salada de pepino. Um franguinho ou um peixe grelhado serão provavelmente servidos. Peixe será mais adequado, dado que os debates cairão em plena Quaresma.

Subitamente, muita gente descobriu uma repentina vocação para vaticanista. Cada um vem com sua análise. Uns falam de complô, de conspiração, de golpe de estado. Outros lamentam o que consideram decisão abrupta, repentina e incompreensível do atual ocupante do trono de São Pedro. Há mesmo quem evoque pressões políticas, como se vivêssemos ainda no tempo dos Habsburgos. Li até artigos que especulam sobre intrigas palacianas, como se os Borgias ainda reinassem.

Na minha humilde opinião, a realidade é bem menos complexa. As explicações mais simples são às vezes as mais difíceis de encontrar. Os dois mais recentes papas foram os primeiros não italianos a ocupar o cume da hierarquia no último meio milênio. O mundo havia-se acostumado ao comportamento de personalidades italianas. O arrebatamento e a paixão são componentes essenciais da alma latina. Todo aquele que “chegou lá” pisa até no pescoço da mãe, como se diz maldosamente, para manter seu poder, sua visibilidade e seus privilégios.

O dignitário que antecedeu Bento XVI, embora não fosse italiano, era dono de personalidade pra lá de especial. Não cabe aqui discutir as razões que o terão levado a agarrar-se ao cargo até o último suspiro.

Já nosso simpático Joseph Alois Ratzinger ― sorridente, de olhos vivos e andar saltitante ― é, antes de tudo, um teutônico típico. Alemães, suíços, austríacos, holandeses e outros povos do espaço germânico carregam certos traços comuns. Um dos mais marcantes é a visão realista. Para eles, o ofício que exercem, antes de ser uma missão, é um trabalho, uma obrigação. Não costumam considerar-se insubstituíveis. Encaram a alternância e a sucessão como coisas naturais da vida, bem longe de nossa visão messiânica.

No meu entender, a decisão tomada por Bento XVI se inscreve nessa lógica. A partir do momento em que não me sinto mais à altura de exercer minhas funções, abdico e deixo que alguém em melhores condições tome meu lugar. Sem mágoas.

O papa tomou uma decisão de bom senso. Mostrou desapego. Deu a prova de que não se considera ungido pelo Altíssimo para flutuar acima do bem e do mal.

Pode-se discutir sobre os caminhos que preconizou para seu rebanho. Uns dirão que era retrógrado, conservador, inflexível. Outros replicarão que deu os pequenos passos que podia dar, sem pretender forçar suas ovelhas a uma guinada demasiado brusca.

A verdade é que cumpriu seu mandato. Chegou a um ponto em que a saúde não lhe permite ir além. Na impossibilidade de transmitir suas responsabilidades a um parente, um suplente, um vice ou um irmão ― como sói acontecer em certos lugares que conhecemos bem ― simplesmente apresentou sua demissão e vai-se embora.

Tomara certos dinossauros de nossa maltratada República seguissem seu exemplo.

(*) Teremos novo papa!

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