Made in P.R.C.

José Horta Manzano

Até o começo deste século, os chineses eram mais que discretos ao etiquetar seus manufaturados para exportação. Se a legislação do país de destino fosse liberal, nem mencionavam a origem da mercadoria. Caso fosse absolutamente necessário, marcavam «Made in P.R.C.». A estranha e quase desconhecida sigla significava ‘feito na República Popular da China’.

De lá pra cá, as coisas evoluíram. Produtos daquele país hoje ostentam um desinibido «Made in China». Não dá pra dizer que o que vem da China se tenha tornado chique, que seria um exagero. Mas a desconfiança nos produtos chineses vem se amenizando ano a ano.

Tendo-se transformado em fábrica do mundo, a China tornou-se incontornável. Pouco a pouco, a indústria básica dos demais países tem dismilinguido em favor da China. Na França, grande país produtor de pianos, ninguém mais fabrica esse instrumento. O Brasil que, em meados do século XX contava com imensa população infantil, tinha grandes fábricas de brinquedo; fecharam-se uma após a outra, não sei se terá sobrado alguma. A indústria têxtil suíça, que já teve fama mundial, desapareceu. E assim por diante.

Até muito poucos anos atrás, não se viam automóveis chineses na Europa. Com bom marketing e, sobretudo, com preços imbatíveis, os carros elétricos chineses estão fincando pé no continente. Com a antipatia que Mr Musk tem espalhado pelo mundo, a venda dos carros de sua marca Tesla tem escorregado ladeira abaixo deixando campo livre para os chineses.

Nome, marca, origem da mercadoria podem ser prestigiosos. Em matéria de carnaval, praia, capoeira, caipirinha, chinelo de dedo, essas coisas, o nome de nosso País está por cima da carne seca. Deixa qualquer concorrente comendo poeira. Já em outros campos, a situação é menos dourada.

Para salvar a face, restam os aviões da firma Embraer, florão da indústria nacional, que irradia uma imagem pra lá de positiva de nosso castigado país. Por sorte, ainda não foi nacionalizada. Já imaginaram nossa maior indústria de excelência tornar-se um cabide de empregos, “feudo” do Centrão & associados? Cruz-credo!

Que marca é?

O Globo online, 2 jan 2025

 

Folha online, 2 jan 2025

 

Estadão online, 2 jan 2025

José Horta Manzano

Quando eu era adolescente, tínhamos uma brincadeira especial que precisava de dois comparsas. Ficavam os dois sentados na calçada, um de frente para o outro de modo que cada um só podia enxergar os carros que vinham de uma das pontas da rua. Cada um tinha de adivinhar, só pelo ruído do motor, a marca de cada automóvel que vinha vindo às suas costas.

Na verdade, não era muito complicado visto que, naqueles tempos recuados, grande maioria dos carros eram Chevrolet e Ford, que tinham motor de ronco reconhecível. Mais difícil era quando surgia um Pontiac, um Studebaker ou um Lincoln.

E a gente continuava:

“É um Chevrolet!”
“É um Ford!”
“É um Austin!” (Este fazia barulho de motor fraquinho)

E assim por diante. Jamais nos veio à ideia dizer: “É um carro da Ford!” ou “É um carro da Chevrolet!”.

Acho que ainda se fala igualzinho, não é?

Pois hoje, ao ler a notícia de um atentado com carro-bomba ocorrido em Las Vegas (EUA), me dei conta de que os automóveis fabricados pelas indústrias do neopolítico Elon Musk fogem ao antigo costume que vale para todos os concorrentes. Nenhum dos três maiores jornais do país relatou a explosão de “um Tesla”; todos eles contaram a explosão de um carro da Tesla.

Achei estranha essa hesitação em dar nome aos bois. Se se trata de um carro e se o fabricante é Tesla, é um Tesla. Como seria “um Ford” ou “um Mazda” ou “um Toyota”. Por que razão se faz essa diferença com os automóveis de Mr. Musk?

A firma é nova
Não me parece argumento válido. Uma firma fundada em 2003 (22 anos atrás) não entra nesse conceito de “nova”.

O dono é bilionário
E daí? Por que, diabos, uma marca automobilística deveria ser tratada com maior ou menor respeito segundo a fortuna do proprietário? Mr. Ford e Mr. Chevrolet também nadavam em dinheiro.

O carro é elétrico
Há elétricos de outras marcas, mas todos entram na regra comum. Só Tesla escapa.

Tesla não soa como nome de montadora
Concordo que Tesla soa mais como marca de secador de cabelo. Mas uma coisa não justifica a outra. Gurgel, marca efêmera de automóveis nacionais que existiu pelos anos 70 e 80, também parecia mais ser nome de família da alta burguesia próxima ao imperador; assim mesmo, ninguém dizia “um carro da Gurgel”, mas sim “um Gurgel”.

Em resumo, não encontrei razão sólida que justifique tratar com tão reverenciosa distância os automóveis do futuro ministro de Trump. Se alguém souber, por favor mande cartinha para a redação.

Tenho mais uma observação. Antigamente se dizia que o acidente “deixou um morto” ou “fez um morto”. Dava-se por entendido que o morto era um humano, não um animal. Hoje vejo que é preciso especificar que o acidente “deixou uma pessoa morta”.

Por que escrevem assim? Para deixar mais claro? Não acredito. Concluo que a intenção oculta, nesse caso, é o respeito à ditadura do politicamente correto.

Falar de “um morto” pode até dar a entender aos ingênuos e delicados ouvidos modernos que se trata de um homem morto, não de uma mulher. Para clareza absoluta, usa-se a forma neutra “pessoa”.

“Uma pessoa morta” tanto serve para um defunto como para uma defunta. Sinal dos tempos. A sexualidade nos persegue além-túmulo.