Sexta-feira da Paixão

José Horta Manzano

As sextas-feiras santas da minha infância eram marcadas pelo som dos sinos das igrejas e pelo perfume das flores frescas que adornavam os altares. Naquela época, a cidade inteira parecia entrar em um estado de contemplação e respeito, enquanto procissões serpenteavam pelas ruas, estreitas e largas, de terra e pavimentadas.

Naquele tempo, todos aprendiam desde pequeninos a diferenciar entre o profano e o sagrado, dois elementos que, como água e óleo, não se podem misturar. Eu me lembro da sensação de reverência que pairava no ar, misturada com a expectativa do sábado de Aleluia, dia em que os maiorzinhos tinham direito a dar com pau num judas de trapo e farrapo, amarrado a um poste. A meninava vibrava e mandava brasa porque tinham todos aprendido que o boneco representava um homem mau que estava ali pagando seus “malfeitos”. E dá-lhe paulada!

Depois vinha o domingo de Páscoa, dia especial em que todos se lançavam um “–Boa Páscoa!”. Eu não entendia bem por que razão os adultos externavam votos de que o dia de festa fosse bom. Pois o dia era, necessariamente, bom! Era domingo, não havia aula e, além de tudo, ganhava-se ovo de chocolate, um acontecimento!

Chocolate, hoje em dia, é mais disponível. Encontra-se em cada esquina e tem preço abordável. Naquele tempo, na venda do Seu Manuel, disponível era só doce de batata doce. E maria-mole.

Nas inchadas metrópoles brasileiras atuais, será que ainda se veem passar procissões?