O fator humano – 6

Myrthes Suplicy Vieira (*)

Uma amiga, bióloga, estava curtindo um dia de sol na praia ao lado do marido e da filha de 4 anos. O pai da criança havia saído para fazer uma caminhada e as duas se divertiam construindo castelos na areia.

Lá pelas tantas, a menina interrompe o passatempo, olha longamente para o mar e pergunta à mãe: “Mamãe, por que o mar é salgado?”.

Antes de responder, a mãe hesita, se perguntando se devia dar uma resposta genérica, dessas que os pais dão distraidamente para se livrar de um interrogatório incômodo, se seria mais adequado dar uma resposta precisa, mas envolta em linguagem simples que pudesse ser rapidamente absorvida pela criança, ou se seria melhor propiciar a ela uma experiência mais ampla de aprendizagem.

Agnóstica por natureza e orgulhosa de sua formação científica, minha amiga optou por despertar na filha desde cedo o interesse pela investigação dos intrigantes fenômenos do mundo natural e dispôs-se a elencar todos os fatores envolvidos na geração desse resultado. Falou com entusiasmo sobre o movimento das marés, a influência da lua, o tipo de rocha presente no fundo dos oceanos, etc. Quando se sentiu satisfeita, concluiu, em voz terna, ao mesmo tempo maternal e professoral: “Então, filha, é porque a aguinha bate nas pedrinhas do fundo do mar, aí começa a sair o salzinho e ele se mistura na água. Entendeu, meu amor?”.

A menina ouvia tudo com ar de grande interesse e concentração. A cada etapa de explicação, interrompia apenas para acrescentar novos porquês. Quando a mãe terminou de falar, ela voltou imediata e espontaneamente a brincar com seu balde e pazinha, o que serviu de indicativo para a mãe que ela havia incorporado corretamente a mensagem.

Minutos depois, o pai volta do passeio e senta-se na areia ao lado da filha, ajudando-a com o desafio de erigir torres, portões e janelas. A mãe, ainda saboreando os frutos gloriosos de seu extenso saber científico, estimula a filha: “Conta pro papai por que é que o mar é salgado”.

A menina, entretida com seu passatempo, fica em silêncio por alguns segundos, como se estivesse metabolizando os ensinamentos recém-recebidos. Depois, abrindo um largo sorriso, encara o pai e, com toda a deliciosa ingenuidade infantil, responde de chofre: “Ué, porque…. é porque Deus quer, ué…”

(*) Myrthes Suplicy Vieira é psicóloga, escritora e tradutora.