Os cortes de Bolsonaro

José Horta Manzano

Em artigo de sábado, o Estadão expõe os cortes feitos por Bolsonaro nas áreas da Educação e da Saúde Pública. A razão da poda é desviar recursos para alimentar o orçamento secreto, nebuloso sistema de distribuição de verbas a parlamentares, sem critério de transparência – daí o nome de “secreto”.

Percebe-se que a restrição de recursos é direcionada às áreas que o capitão odeia com maior furor.

De fato, a Saúde Pública é seu espantalho, como seu comportamento ao longo da pandemia revelou. Recluso num universo paralelo, Bolsonaro cultiva o negacionismo em seu esplendor. Nega-se obstinadamente a reconhecer a fragilidade do ser humano e as agruras do sofrimento alheio. Em sua lógica, o brasileiro deve enfrentar, peito aberto, todos os riscos à saúde. Afinal, este não pode ser um país de maricas! Que os fracos sejam varridos do mapa! Vacina? Tratamento? Remédio? Consulta? Pra quê? Tome cloroquina, que passa.

Ao lado da Saúde, a Instrução Pública é seu outro saco de pancada. Visto que ele não aprendeu grande coisa na vida, acabou atraindo uma coorte de brutos e ignorantes – o que é lógico e natural. Estendendo o raciocínio, ele não vê necessidade de oferecer os benefícios de uma educação de qualidade à população. Talvez pressinta que, se os eleitores tivessem aprendido a pensar, ele jamais teria sido eleito. Não serviria nem para síndico de condomínio.


Cortes de orçamento programados para 2023
– um florilégio –

Farmácia Popular
É programa que beneficia mais de 21 milhões de brasileiros. Sofrerá amputação de 59%. Ítens cortados: 13 diferentes princípios ativos. Entre eles, tratamentos usados contra diabetes, hipertensão, asma. A tesoura atingiu até fraldas geriátricas.

Prevenção e controle do câncer
O câncer é a segunda doença mais mortal no país. A verba destinada a prevenção e controle dessa enfermidade foi reduzida em 45%.

Aids
Programa que distribui remédios para tratar aids, hepatite viral e outras IST (infecções sexualmente transmissíveis) sofreu uma tesourada de R$ 407 milhões.

Merenda escolar
O governo de Bolsonaro vetou o reajuste, com correção pela inflação, da verba para a merenda escolar, que já não era reajustada havia 5 anos. Aluninhos vão continuar tendo de estender o dedinho pra receber um carimbo que indicará que já foram servidos e não podem repetir o prato. E vão continuar a dividir um ovo entre quatro crianças. Para muitos deles, a merenda é refeição mais nutritiva do dia – quando não é a única.

Outras áreas
Há outras áreas penalizadas pelos cortes. A Educação é a que mais vai sofrer. O programa Nacional do Livro e do Material Didático (PNLD) é outra destinação visada pelo bloqueio bolsonárico. A pasta de Ciência e Tecnologia e a de Desenvolvimento Regional também vão receber recursos minguados. Há outras áreas, mas é bom parar por aqui, que é pra evitar ficar mais deprimido.

Quem achar que isso é uma beleza e que está muito bom assim, que vote no capitão. Só que tem uma coisa: depois não vale dizer que não sabia.

Darwinismo social

José Horta Manzano

Semana passada, o Estadão publicou editorial intitulado Darwinismo Social de Bolsonaro.  Me pareceu excelente definição do modo malvado e mesquinho com que o capitão espezinha as camadas mais humildes da população. É aporofobia(*) pura exercida por um indivíduo de espírito fundamentalmente escravagista.

O Darwinismo Social é doutrina impiedosa, que não cabe em nosso modelo ocidental de democracia. É parente próximo do Eugenismo, que preconiza o abandono – ou até a eliminação – dos elementos mais frágeis da sociedade.

A amputação de 60% da verba destinada ao programa Farmácia Popular está em perfeita sintonia com a ideologia bolsonárica: vence o mais forte, os fracotes que se lixem.

Na mesma linha está o veto presidencial do aumento da verba para a merenda escolar – que está congelada há 5 anos (1 ano de Temer mais 4 do governo atual).

Em numerosas ocasiões, especialmente nos momentos mais agudos da pandemia, Bolsonaro deixou claro seu desprezo pelos cidadãos que mostravam ter medo de apanhar a doença. Caçoou dos que morriam de falta de ar. Tratou de maricas os que se vacinavam. Exortou o bom povo a deixar de lado a vacina e optar pela cloroquina.

São gestos que casam com a doutrina do super-homem e da vitória dos mais fortes em detrimento dos mais fracos, exatamente como na selva de Tarzan. Não há pensamento mais tóxico e mais explosivo para tornar inviável a convivência num país tão desigual como o nosso. O “pensamento” bolsonárico é poderoso freio a nosso avanço no processo civilizatório.

Um dos sinais mais significativos da transformação de uma sociedade primitiva em uma sociedade avançada e democrática é justamente o cuidado dedicado a seus membros mais frágeis. No caso do Brasil, a franja vulnerável é constituída pelos miseráveis, pelos famintos, pelos menos favorecidos, pela infância, pelas minorias étnicas e raciais. São justamente os que precisam da merenda escolar e da Farmácia Popular.

Cortar verbas que deveriam ser dirigidas aos que vegetam nas bordas da nação equivale a arremessar esses indesejáveis ao mar e seguir o barco. Cada ato emanado desse governo vem encharcado de injustiça.

É inacreditável que um em cada três eleitores ainda apoiem a reeleição desse indivíduo. Me recuso a acreditar que um terço dos brasileiros concordem com esse Darwinismo Social. Acho que eles, principalmente os que se consideram cristãos, não entenderam o que está ocorrendo.

(*) O termo aporofobia define o ódio e o repúdio à pobreza e aos pobres.