Viva Santo Antônio!

José Horta Manzano

Hoje é dia de um santo muito popular, Santo Antônio, aquele que encontra as coisas. Nossas avós já ensinavam que, quando se perde alguma coisa, o mais prático é invocar logo Santo Antônio. Não costuma falhar. Diz-se também que ele é casamenteiro. Encontrar um par para almas solitárias há de fazer parte de suas atribuições.

Na verdade, a hagiologia é um tanto vaga e um bocado imprecisa quanto a esse personagem. Sabe-se que nasceu em Lisboa pouco antes do ano 1200, que estudou e se tornou grande orador, que abraçou a Ordem Franciscana, que morreu com trinta e poucos anos, em 1231. De estirpe aristocrática, era descendente de Carlos Magno e adquiriu elevada cultura. Foi canonizado a toque de caixa, menos de um ano após a morte.

É o santo padroeiro da capital portuguesa, onde o conhecem como Santo Antônio de Lisboa. Já no resto do mundo é mais conhecido como Santo Antônio de Pádua, epíteto que lhe foi pespegado por ter vivido algum tempo na cidade italiana.

Por que encontra objetos? Não há consenso quanto à origem da lenda. Muito mistério envolve a vida desse santo. Atribuem-lhe o dom da ubiquidade ― dizem que conseguia estar em dois lugares ao mesmo tempo. Dizem também que tinha o poder de falar aos animais e ser escutado com atenção. Tão difícil é contestar quanto provar essas habilidades.

Mas hoje não é dia de missa, podemos nos dedicar a atividades mais profanas. A dança, por exemplo. Estamos em época de festas juninas. Falemos um pouco de quadrilha, vamos lá?

A dança de grupo que se costuma praticar no Brasil nesta época não é de origem nacional. Nem portuguesa tampouco. É possível que suas raízes estejam plantadas em terras inglesas. O que se sabe com segurança é que a quadrilha se pôs de moda na França no começo do século XIX. Sobreviveu mais de um século, até a Primeira Guerra Mundial, quando foi varrida dos salões pelos novos ritmos trazidos pelos militares americanos que tinham vindo combater nas trincheiras europeias. E pela popularização dos gramofones, naturalmente.

A quadrilha francesa era dança de salão rigorosamente codificada. Naqueles tempos anteriores à valsa vienense, os pares não tinham liberdade de inventar os próprios passos. Obedeciam todos a um ritual imutável. Os participantes tinham obrigatoriamente de formar pares, cavalheiros e damas em número igual.

Os movimentos da quadrilha eram classificados em grupos e subgrupos. Alguns passos juntavam os homens e os apartavam das mulheres. Outros reagrupavam os participantes em pares. Alguns compositores se dedicaram a escrever música especialmente para essa dança.

Na França, algumas reminiscências da quadrilha sobrevivem, nada mais que em associações folclóricas dedicadas à conservação do patrimônio cultural. Na Áustria, a quadrilha ainda sobrevive, tradicionalmente dançada em ocasiões especiais como nos grandes bailes vienenses de fim de ano. Não sei como andam as coisas no Brasil estes últimos anos, mas é bem capaz de essa dança de salão ― ou de terreiro, depende do clima… ― estar mais vivaz em terras de Pindorama do que na Europa.

Um detalhe interessantíssimo é o fato de a quadrilha brasileira ter mantido, para alguns dos passos codificados, os nomes originais franceses. Estão um pouco arrevezados, é verdade. Assim mesmo, por detrás dos sons deturpados e amoldados à nossa fonética, ainda dá para reconhecer alguns comandos de 200 anos atrás. Eis alguns:

Balancê = balancer
movimento do corpo para a frente e para trás

Tur = tour (de main)
passo que reaparece no rockn’ roll

Alavantu = à l’avant tous / en avant tous
todos para a frente

Alavandê = à l’avant deux / en avant deux
dois passos à frente

Anarriê = en arrière
para trás

Changê = changer (de dame)
mudar (de dama)

Visavi = vis à vis
pra frente e pra trás com as damas paradas em frente

Outros passos foram conservados na coreografia, mas tiveram seus nomes traduzidos ou adaptados:

Caminho da roça
promenade, demi-promenade

Grande roda das damas
chaîne des dames

Grande roda
chaîne, chaîne anglaise

O importante é que Santo Antônio dê a cada um o que ele estiver procurando. E quentão, pinhão e pé de moleque para todos nós!

Dê-me sua opinião. Evite palavras ofensivas. A melhor maneira de mostrar desprezo é calar-se e virar a página.