José Horta Manzano
Uns dez anos atrás, falou-se muito no petróleo a extrair do fundo do mar que beira a costa brasileira, tesouro escondido debaixo de alentada camada de sedimentos e de sal. À época, nosso guia & acólitos chegaram a posar para fotos fantasiados de operário da Petrobrás, com as mãos lambuzadas de óleo. Até Hugo Chávez, que ainda não se havia transmutado em passarinho, chegou a comentar, com uma pontinha de inveja, que o Brasil estava para converter-se em potência petroleira.
Depois disso, mazelas antes inimagináveis começaram a emergir. O governo da doutora foi um desastre. Veio a Lava a Jato. Os podres de nosso guia e de toda a (extensa) turma vieram a público. A Petrobrás, rapinada e maltratada, por pouco não desmoronou. No corre-corre, o assunto do pré-sal saiu de foco. O que cada um queria mesmo era salvar a própria pele.
Hoje o tema ressurge. Os optimistas dirão que é bom sinal: indica que o pior da tempestade político-policial passou. Não tenho tanta certeza, mas vamos admitir que assim seja. É hora de examinar de perto o significado dessa reserva, desconhecida até poucos anos atrás.
Por mais que Mister Trump tape os olhos com peneira, as mudanças climáticas se tornam mais evidentes a cada dia. Países mais adiantados implementam políticas de substituição de combustível fóssil por fontes de energia renováveis. A Alemanha já decretou que, o mais tardar em 2030, proibirá a circulação de veículos com motor a combustão ‒ o que exclui todos os movidos a gasolina, óleo diesel, querosene ou mesmo gasogênio. Somente veículos movidos por energia não-poluente serão permitidos.
Se a humanidade ainda existir daqui a 500 anos, fico imaginando o que os terráqueos de então pensarão de nós. A queima desmedida de óleo fóssil para mover automóveis será vista como um dos maiores desatinos já praticados pela humanidade primitiva dos séculos 20 e 21. Além de poluir a atmosfera da qual dependemos todos, a combustão de derivados de petróleo desperdiça uma riqueza que levou milhões de anos para se constituir.
Dê uma olhada a seu redor, distinto leitor. Bote reparo nos objetos que o cercam. Uma tela de computador? Um telefone celular? Uma caneta? Uma almofada? Um tapete? Um copo? Uma folha de plástico? A moldura envernizada de uma porta? Pois há forte chance de que, na composição de cada um desses objetos, tenha entrado algum derivado de petróleo.
Por que, então, extrair a fórceps essa riqueza? Para queimá-la em motor poluente de automóvel? Não faz sentido. No Brasil, não é o dinheiro que falta. Nosso problema maior, como todos hoje se dão conta, é o roubo e o malbarato do dinheiro público. Uma (pequena) diminuição da corrupção nas altas esferas trará mais benefício do que a exploração do pré-sal. De quebra, as gerações futuras agradecerão.
Você tocou no aspecto que mais me incomoda no pré-sal: desde que foi lançado o projeto, jamais se ouviu alguma liderança tupiniquim protestar ou mostrar preocupação. Nem Marina Silva, tradicionalmente associada às causas ecológica e de desenvolvimento sustentável, ousou apontar suas consequências negativas. Talvez seja esse o caso mais emblemático da estratégia “tudo por dinheiro” que nos assombra há duas décadas.
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