José Horta Manzano
A etimologia é ciência fascinante e curiosa. Fascinante porque acompanha a evolução de palavras ao longo de um percurso, às vezes tortuoso, que pode remontar a passado longínquo. Curiosa porque, quando falta comprovação escrita, dá margem a suposições por vezes ousadas.
Quando um termo encontra equivalente em latim, não há muito que discutir. Já quando a palavra escapa ao léxico latino e ao germânico, a falta de documentos dificulta o estudo. Volta e meia, aparece nova explicação assaz fantasiosa que, por falta de coisa melhor, acaba aceita como verdade bíblica.
Sem querer contradizer ninguém, relato o que li estes dias e que me deixou com um pé atrás. Um homem pra lá de erudito, doutor em Filologia Semítica, tornou-se membro, estes dias, da respeitável RAE ‒ Real Academia Espanhola.
O filólogo apresentou nova explicação para a origem de algumas expressões da língua espanhola. Nenhuma delas tem correspondente em português, com exceção de uma: a trancas y barrancas, a forma castelhana de nossa conhecida aos trancos e barrancos.
Qualquer dicionário informa que tanto tranco quanto barranco são consideradas pré-romanas, ou seja, vozes que já faziam parte da língua antes da chegada das tropas romanas à Península Ibérica. O acadêmico garante que a expressão nada tem a ver com trancos e muito menos com barrancos. Segundo ele, vem do árabe atrakkán barrámka que significa “procura um lugar com a égua para defender-te de vários atacantes simultâneos”.
Não falo árabe. Mas tiro o chapéu para o excepcional espírito sintético de uma língua que, com apenas duas palavras, consegue dizer “procura um lugar com a égua para defender-te de vários atacantes simultâneos”. Parabéns!
