O que aconteceu no Rio de Janeiro na última terça-feira (28) devia ficar em nossa história como um marco, “o 28 de outubro”. O dia em que chegou a um patamar inédito de clareza e dor – o Rio sempre na vanguarda – a tragédia da segurança pública no Brasil.
Esse promete ser um dos grandes temas da eleição presidencial do ano que vem, dizem, e parece justo que seja. O que não é necessariamente uma boa notícia. Se precisamos nomear bem as coisas antes de resolvê-las, “segurança pública” é um pântano semântico.
Com muita facilidade esquecemos ou fingimos não ver aquilo que, de tão óbvio, se torna elusivo – que o problema tem raízes na forma como nossas elites sempre delegaram a instituições violentas, das milícias do Império às atuais polícias militares, a tarefa de lidar com a massa de despossuídos fermentada em séculos de escravidão.
Educar, empregar, incluir? Nem pensar. Bater, confinar e matar, isso sim. A “segurança pública” no Brasil nasceu como a segurança de quem tinha posses – a dimensão “pública” era sua inimiga. Sendo desmedida nossa desigualdade social, descomunal tinha de ser a violência empregada na tentativa de domar seus efeitos.
Só que essas coisas não são domáveis. A brutalidade primordial antipreto e antipobre que foi uma das vigas mestras da nação brasileira começou a inflamar, a infeccionar, e evoluiu para uma sepse. Hoje as palavras soam como eufemismos covardes: açougueiros são chamados de governadores, e um massacre com 120 mortos em um só dia, de “operação policial”.
A rotina de violência para a qual desenvolvemos uma tolerância doentia, incompatível com qualquer projeto nacional decente, virou solo fértil para que prosperassem modelos amalgamados de bandidagem, negócios e poder político, a tal ponto que o mal se entranhou no tecido da sociedade – empresas, instituições, governos, parlamentos.
Eis por que uma eleição presidencial pode não ser o melhor foro para debater a questão. Fixada naquela injustiça social originária, a esquerda tem imensa dificuldade de sequer enunciar o problema, enquanto a direita, sempre dobrando a aposta na exclusão e no extermínio com fins eleitoreiros, está condenada a agravá-lo.
(*) Sérgio Rodrigues é escritor e jornalista.
Texto integral
(para assinantes da Folha de S.Paulo).

Estou tão indignada com essa atrocidade que não consigo botar em palavras meus pensamentos. Lamento apenas que as pessoas se coloquem a favor ou contra mais este episódio dantesco sem parar um só minuto para refletir sobre sua própria posição diante da desigualdade social e do papel do Estado. O mesmo acontece com as prisões: o que mais se busca é vingança, que os apenados “apodreçam” na cadeia (sejam eles culpados ou não), sem que se considere a função primordial de ressocialização das penitenciárias. Ó tempora, ó mores!
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