Parceiro duvidoso

by Caio Gomez (1984-), ilustrador brasiliense

José Horta Manzano

Artigo publicado no Correio Braziliense de 28 junho 2024

O R do Brics é a Rússia. No acrônimo, ela aparece coladinha ao Brasil. Na vida real, a distância física, histórica e cultural entre os dois países é imensa. Basta um exemplo: o povo russo jamais viveu sob um regime que não fosse autoritário, enquanto os brasileiros já conheceram largos períodos democráticos, inclusive o atual. Os russos vivem atualmente um momento apertado, com o fechamento da porta que dava para o Ocidente. Mesmo com os combates na Ucrânia ainda longe das grandes cidades russas, a vida já não é como antes.

Dirigentes de numerosos países já cometeram erros fundamentais que mudaram os rumos da nação. Se arrependimento matasse… cemitérios estariam lotados – é o que se costuma dizer. Mas há erros que deixam mais remorso que outros.

Os dirigentes do Japão que participaram da decisão de atacar a frota marítima americana na Pearl Harbour de 1941 hão de ter se arrependido amargamente de ter elaborado o plano que acabou por desgraçar o Império do Sol Levante.

Nosso Jânio Quadros é outro que, depois de renunciar ao mandato de presidente do Brasil, certo de que o povo o traria de volta “carregado nos ombros”, há de ter chorado lágrimas de aflição em seu autoexílio londrino. Além de perder o mandato, abriu as portas para um regime de exceção, que castigaria o país por mais de 20 anos, na sequência do golpe de 1964.

Talvez o exemplo mais eloquente de “post errorem desperandum” (desespero depois do erro) seja a monumental derrapada que Vladímir Pútin deu ao mandar suas tropas invadirem a Ucrânia em 2022. O fiasco foi tão grande que ele só continuou no comando da ditadura russa até hoje por obra e graça do sistema mafioso que o sustenta no trono. Não fosse a máquina governamental repressiva e opressiva, e o total enquadramento do sistema judiciário, é possível que Pútin já tivesse desaparecido num “desafortunado acidente” e já tivesse deixado o trono para um sucessor.

Estes dias, os discretos serviços secretos britânicos publicaram uma estimativa das perdas sofridas pela Rússia na guerra atual. Meio milhão de humanos (incluindo militares e civis) teriam sido mortos ou feridos! O morticínio continua a um ritmo superior a 1.200 pessoas por dia. Quanto às perdas materiais, teriam sido destruídos: 10 mil blindados, 3 mil tanques de guerra (número que representa quinze vezes o número total de tanques do exército francês!), 109 aviões, 136 helicópteros, 23 navios de guerra. A esses números, convém acrescentar cerca de 400 drones e mais de 1.500 peças de artilharia.

Essa impressionante quantidade de combatentes e de material perdidos em dois anos seria uma sangria insuportável para qualquer país, mesmo para os mais equipados. Para a Rússia, a situação é dramática, bem pior do que se imagina. A prolongação dos combates obrigou Moscou a reanimar sua indústria bélica. As compras de material bélico no orçamento de 2024 representam entre 30% e 40% das despesas totais do Estado russo. Para juntar essa montanha de dinheiro, cortes profundos têm de ser feitos em outras áreas, enfraquecendo o funcionamento do país como um todo.

Em momentos específicos do século passado, a economia da hoje falecida União Soviética chegou a ter certo vigor. Essa potência perdeu muito de seu antigo brilho. Na verdade, a Rússia de hoje é um país pobre. Para comparar, seu PIB corresponde aos PIBs somados de Holanda e Bélgica. Só que Bélgica e Holanda, adicionadas, têm 30 milhões de habitantes, enquanto a Rússia tem 146 milhões. Moscou tornou-se basicamente exportador de matéria prima (gás e petróleo).

Do ponto de vista militar, a Rússia, orgulhosa herdeira do laureado Exército Vermelho, perdeu esta guerra logo nos primeiros dias, ao não conseguir tomar Kiev e ser obrigada a retirar-se da Ucrânia. Naqueles dias o mundo assistiu, pasmo, à débâcle de um temido grande exército diante de tropas menos poderosas. Para a Rússia, o vexame e o desgaste de imagem foram tremendos. Hoje, para a Rússia, o exército perdeu a majestade. Para servir de espantalho, só restou o espectro do arsenal atômico que, aliás, Pútin agita dia sim, outro também.

Ao desprezar o Ocidente democrático e se jogar de cabeça no Brics, um clube de países que não combinam com o nosso, a dupla Lulamorim está fazendo mau negócio. Fosse eu, refletia duas vezes.

6 pensamentos sobre “Parceiro duvidoso

  1. Pingback: JOSÉ HORTA MANZANO, nosso caetanista colaborador do CB | Caetano de Campos

  2. Na cabeça do Lula o Pt vai levar o Brasil ao primeiro mundo. Ele se reelegerá em 2026 e em 2030 realizará seu sonho com todos brasileiros comendo picanha e tomando cerveja.

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  3. Bom dia. Estava vendo um podcast ontem com um geopolítico bem inteligente chamado Oliver Stuenkel no qual ele dizia que o PT e seus seguidores são tão antiamericanos que para eles o único país imperialista do mundo são os Estados Unidos da América. Nas profundezas do pensamento dos membros do partido, existe uma ideia (proposital ou por efeito de amnésia) de que a Rússia ou mesmo a China nunca foram potências imperialistas. E em se tratando de Rússia, isso é claramente visto na atualidade. Mas o Luiz Inácio jamais iria pensar ou aceitar que a grande mãe Rússia, de onde vem o socialismo incompetente que Inácio tanto venera, poderia ser uma potência imperialista. O Brasil, seu povo e os governantes que escolhemos estão sempre ou quase sempre do lado errado da História. Aos que conseguem enxergar algo, só resta lamentar.

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    • Conheço o Oliver Stünkel, alemão boa cepa, superiormente inteligente. Às vezes me pergunto como é que um homem com as qualidades dele decidiu se estabelecer no Brasil. Parece que não combina.

      Tem razão você ao observar que os “barbudinhos” do PT acreditam que os EUA foram e continuam sendo a única potência imperialista do planeta. (Chamar os petistas de “barbudinhos” já não faz sentido: hoje em dia, quase todos os homens são barbados.)

      Essa crença errônea leva esquerdistas menos cultos a aplaudirem tudo e todos que se opuserem ao grande Satã. Qualquer um serve, desde que seja visto como “inimigo” dos EUA. Rússia, China, Irã, Venezuela, Cuba e quem mais couber, entram nesse balaio.

      Os antiamericanistas primitivos não se dão sequer conta de que, das três potências mais agressivas (EUA, China e Rússia), os Estados Unidos são os únicos que não têm objetivos expansionistas. China e Rússia, como todos sabem, têm o propósito de expandir o próprio território (vide Taiwan, Ucrânia, ilhotas do Mar da China, Georgia).

      Infelizmente, nossa brava duplinha Lula & Amorim, que estancou nos tempos da URSS, não conseguem, ou não querem, enxergar o mundo moderno. Com isso, dançamos todos.

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      • Horta, quisera Deus mandar para o Brasil outras mentes brilhantes como o Stuenkel. Sempre estivemos carentes de tais pessoas. Não saberia dizer se o que o trouxe a nós foram os seus estudos sobre a América Latina ou os encantos de uma brasileira, mas podermos contar com a inteligência dele, e ainda falando em português para quem o queira escutar, já é extraordinário!

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