O humorista e o imbecil

Manchete do jornal russo Ria Novosti
28 fev° 2022

José Horta Manzano

Francamente, Bolsonaro não perde uma oportunidade para escancarar sua estupidez. Sua estreiteza mental é tão impressionante, que às vezes a gente acha que ele está brincando. Parece que sua visão de mundo, bitolada por natureza, se afunila a cada dia que passa.

Num momento em que o mundo civilizado se movimenta para mostrar a Putin que ele errou ao invadir a Ucrânia, lá vai nosso capitão defender o ditador. E aproveita o ensejo para desmerecer, gratuitamente, o presidente da Ucrânia, eleito democraticamente por seu povo.

A mídia russa, enfeudada a Putin, não tem liberdade para publicar nada que possa desagradar ao capo. A manchete de ontem do Ria Novosti, que reproduzo acima, narra uma frase de Bolsonaro:


«Bolsonaro declara que os ucranianos “confiam em um humorista para determinar o destino da nação”»


Na arte de fazer inimigos, o capitão é imbatível. Imprudente, não se dá conta de que, ao pronunciar com desdém a palavra “comediante”, ele está ofendendo por tabela todos os humoristas, cômicos e comediantes do planeta. O néscio não sabe que o “comediante” que ele despreza tem-se revelado ser providencial chefe de guerra, um homem corajoso e combativo, um esteio, uma referência para um povo martirizado pela covarde invasão de Putin. Não se pode afirmar que Bolsonaro agiria com tanta dignidade se estivesse no lugar do “comediante”.

A mente estreita do capitão não lhe permite enxergar que, ao fixar seu empenho na importação de fertilizantes, está se posicionando na contracorrente do mundo civilizado. Todos os países que estão condenando a Rússia e impondo sanções econômicas ao país também comerciam com o país dirigido por Putin. Todos vão sofrer em maior ou menor escala. Há países, na Europa principalmente, cuja dependência da Rússia é bem maior que a do Brasil. No entanto, todos entenderam que a hora é grave e que o equilíbrio mundial está ameaçado. Eis por que aderiram ao embargo.

O espaço aéreo europeu está fechado para aviões russos. Os haveres dos bilionários oligarcas próximos de Putin estão congelados, indisponíveis. As reservas do Banco Central russo também estão bloqueadas. A própria Fifa excluiu a Rússia de toda competição de futebol – coisa nunca vista! A onda de solidariedade que se levanta em todos os países europeus é impressionante. Doações se amontoam nos centros de coleta; para acolher refugiados, cada um oferece o que pode: uma casa de campo, um quarto, uma cama.

O ministro da Economia da França declarou nesta terça-feira que as sanções impostas pela parte civilizada do mundo vão estrangular e derrubar a economia russa. É exatamente esse o objetivo. Se der certo – e certamente vai dar –, Bolsonaro terá apostado mais uma vez no cavalo errado. Esta nova (e irresponsável) aposta vai entrar para uma longa lista que inclui candidatos derrotados no Brasil, na Argentina, na Bolívia, no Chile. E até o mais vistoso de todos: o folclórico Donald Trump.

É nas horas difíceis que se conhecem os verdadeiros líderes. Na sua terrível desgraça, os ucranianos têm hoje um consolo. Sabem que elegeram um presidente à altura do cargo. O “humorista” tem a coragem e a dignidade que sua posição exige, e que nosso capitão não tem.

Não é à toa que Volodímir Zelenski se tornou o alvo número um de Putin. Ninguém sabe como as coisas vão evoluir e como vai terminar essa infame agressão. Mas uma coisa é certa: que saia dessa vivo ou morto, o “comediante” tem lugar para sempre reservado na memória nacional ucraniana. As gerações futuras ainda vão ver estátuas do herói e estudar suas façanhas nos livros de história.

Já quanto a nosso capitão, ai, ai, ai…

4 pensamentos sobre “O humorista e o imbecil

  1. Inacreditavelmente, não é só Bolsonaro que demonstra total alienação da realidade. O UOL, os jornais e blogs estão coalhados de comentários de leitores que apontam a “hipocrisia” de condenar Putin e não se lembrar das invasões de outros países perpetradas pelos Estados Unidos e a Otan. É como se um erro justificasse outro. O mesmo raciocínio primário é repetido no caso de Lula: como o governo dele se envolveu com corrupção sistêmica, é admissível que o clã Bolsonaro se envolva com esquemas milicianos e de rachadinha. Já quanto ao sofrimento das vítimas de tanta violência, ninguém tem nada a dizer…

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    • Que eu me lembre, a Otan – criada com a finalidade específica de se opor ao Pacto de Varsóvia –, nunca invadiu país nenhum. Serviu de guarda-chuva para proteger a Europa contra ataque soviético. E funcionou. Veja que, até hoje, a Rússia não se meteu com nenhum membro da Otan. Invadiu o Afeganistão, a Geórgia (Ossétia e Abkázia) e agora a Ucrânia. Com a Otan, eles não se metem, que ninguém é besta. Se eles tentassem fazer com algum membro da Otan o que estão fazendo com a infeliz Ucrânia, Moscou já teria sido riscada do mapa.

      Quanto a comentário de leitor, não se deixe impressionar. A facilidade de comentar com três cliques (em vez de fazê-lo com carta, envelope e selo), aliada à certeza de anonimato liberam os demônios que todos temos dentro de nós. Mas que alguns, por descuido ou poesia, não conseguem controlar.

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      • É bem verdade o que você diz, mas parece que não se trata apenas de gente com mentalidade de 5º ano agindo no fundão da sala ou nas sombras. Parece que o raciocínio já contaminou cabeças mais informadas e articuladas, que alinhavam argumentos para provar que a Rússia só está se defendendo em seu quintal. Veja o que acaba de dizer o embaixador de Cuba na ONU. O discurso é exatamente o mesmo: hipocrisia de quem não se manifestou quando os Estados Unidos invadiram o Iraque, Afeganistão, etc. [apoiados, faltou dizer anteriormente, pela Otan]. Ou seja, se errou no passado, tem de errar agora de novo. Valha-me São Benedito, como diria você.

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