Artigo publicado pelo Correio Braziliense em 27 junho 2021.
Domingo 23 de maio, o voo da Ryanair partiu de Atenas no horário previsto. O trajeto até Vilna (Lituânia) não chegava a 3 horas. Já faltando meia hora para o pouso, quando o avião cruzava o espaço aéreo da Bielorrússia, um caça MIG 29 das Forças Aéreas daquele país emparelhou e ordenou ao Boeing que pousasse imediatamente. Pelo rádio, os controladores aéreos explicaram ter recebido denúncia de bomba escondida no avião, daí a ordem de aterrissagem imediata.
O piloto obedeceu. Pousou em Minsk, capital do país. Ato contínuo, policiais entraram no avião e agarraram um dos passageiros, rapaz jovem, levado enquanto protestava aos berros. Ninguém entendeu o que se passava. Em seguida, todos foram evacuados. Após inspeção das bagagens, as autoridades informaram que, não tendo sido encontrado explosivo, devia tratar-se de falso alarme. Liberado, o avião seguiu viagem – com um passageiro a menos.
Descobriu-se que o rapaz capturado pelos bielorrussos era Roman Protassevitch, de 26 anos. Autoexilado no exterior, ele tinha sido redator-chefe de uma plataforma de oposição ao regime do país, muito atuante na recente onda de contestação à reeleição do presidente Alexandre Lukachenko – o último ditador da Europa – , homem que há 27 anos controla a Bielorússia com mão de ferro. Nos calabouços do país, o rapaz há de estar passando maus momentos. Dado que é acusado de ‘terrorismo’ e que seu país é o último da Europa a aplicar a pena de morte, teme-se por seu futuro.
A União Europeia não podia deixar de punir o ato de pirataria que atingiu um de seus aparelhos voando entre dois de seus aeroportos. Em outros tempos, se declararia guerra; hoje, ataca-se o bolso. A UE anunciou que vai aplicar sanções pesadas contra a economia bielorrussa. Sete setores serão atingidos, entre os quais as exportações de potássio, tabaco e derivados de petróleo – importantes fontes de renda do país. Além disso, o ditador, sua família e uma centena de personagens do regime estão proibidos de entrar em território europeu. Seus haveres pecuniários e imobiliários serão confiscados. Os EUA, o Canadá e o Reino Unido também anunciaram sanções. Washington não vai mais conceder visto de entrada a 155 personalidades bielorrussas.
Temos hoje, no Brasil, um capitão que sonha com uma carreira de ditador. Ele tem conseguido avançar no projeto explorando o lado venal da alma humana. Cargos, títulos, promoções, verbas, aumentos de salário, benefícios têm sido distribuídos a mancheias. Essa fidalguia tem-lhe granjeado apoios importantes. Capturadas as principais instituições da República e cooptados os representantes do povo, não é impossível que nosso aprendiz de ditador realize seu sonho. O grande obstáculo serão as eleições de 2022. Com a imprudente cumplicidade do Parlamento, doutor Bolsonaro é bem capaz de conseguir, de um modo ou de outro, impugnar o resultado das urnas e melar o jogo a seu favor. Se as coisas correrem a seu contento, teremos em breve um Lukachenko tropical.
O primeiro risco vem de fora. Uma vez instalado na incômoda posição de país de governo ditatorial, o Brasil terá problemas feios. Desde a criação da ONU, ao final da última guerra, a comunidade internacional tem mostrado clara rejeição a regimes autoritários. Cuba, Coreia do Norte, Irã são exemplo de nações que sofrem sanções em virtude de não se encaixarem no Zeitgeist. No Brasil, sofreremos pesado castigo coletivo. A Bielorrússia ainda tem a Rússia, vizinha e madrinha. O Brasil-ditadura não terá vizinho nem padrinho. Se Bolsonaro e os filhos forem impedidos de viajar para o exterior, não hão de fazer caso. Já se a proibição atingir amigos, assessores e congressistas, ah, o perfume do croissant fresquinho das boulangeries parisienses há de fazer muita falta.
O segundo risco vem de dentro. Tropical ou não, autocrata é autocrata, um indivíduo paranoico, que desconfia de tudo e de todos. Sua imaginação doentia vive à cata de novos inimigos, reais ou imaginários. O capitão, com histórico de afiliação a 9 diferentes partidos, é descompromissado e volúvel. Uma vez parafusado ao trono, ninguém poderá mais se considerar a salvo, nem dormir tranquilo na certeza de que os perseguidos serão sempre os petistas, psolistas e “comunistas”. Hoje é dia do “outro”, mas amanhã esse “outro” pode ser qualquer um. Até os que hoje se enrolam na bandeira pra clamar por intervenção militar.
Olha, meu amigo… ele já está cantando a pedra faz tempo. Eu não levo mais fé na justiça divina faz um bocado, imagina na justiça dos homens. Temos políticos lutando com unhas e dentes para que esse desgoverno continue firme e forte para além de 2022. Já não se deu por conta de que sequer a justiça consegue desfazer as tragédias daquela caneta bic e de seus subordinados menestréis? E é isso.
CurtirCurtir
Em nosso sistema político, a caneta presidencial – seja ela uma Parker 51 ou uma Bic – pode, e pode muito. Políticos venais (o que é quase uma redundância…) não têm compromisso com nenhuma cartilha nem com ninguém. Assim que a erosão de Bolsonaro lhes parecer irreversível, pulam fora do barco sem olhar pra trás.
Veja Ricardo Barros, esse que está enrolado com a compra da “vacíndia” (que trocadilho infame). O moço começou a carreira como líder do governo FHC no Congresso. Em seguida, saltou no barco petista e foi vice-líder do governo Lula. Continuou no bom caminho e integrou a base do governo Dilma. Sem escrúpulo nenhum, votou a favor do impeachment de Madame. Na sequência, foi ministro da Saúde de Temer. Atualmente, como todos sabem, é líder do governo Bolsonaro. Como se vê, nunca esteve distante do Poder.
Está enganado quem acha que gente assim está lutando com unhas e dentes para o capitão continuar firme e forte. Não está. A caneta presidencial tem infinita reserva de tinta. Quando a gente acha que secou, lá vem um orçamento secreto qualquer e pronto: o dinheiro corre sempre solto. Portanto, qualquer presidente serve: todos eles têm a caneta.
Em resumo, ninguém está nem aí para o estropício que nos preside atualmente.. Só os apalermados que saem por aí enrolados na bandeira.
CurtirCurtido por 1 pessoa