Chute nos aliados

Ruy Castro (*)

Os aliados de Jair Bolsonaro na campanha eleitoral deviam ter desconfiado quando, assim que foi empossado, ele jogou no mar seu amigo, seguidor e devoto Magno Malta. Todos se lembram da importância de Magno Malta, então senador pelo Espírito Santo, na vida do candidato. Quando Bolsonaro levou a facada em Juiz de Fora, foi Magno Malta quem se debruçou sobre ele no leito do hospital, quase o asfixiando, e fez uma reza braba – digo, oração – pela sua recuperação. O país inteiro assistiu. Magno Malta olhou para o teto em busca de Deus e, com seus poderes de pastor evangélico e cantor de pagode gospel, só faltou ordenar a Bolsonaro: “Levanta-te e anda! Levanta-te e anda!”.

Seja como for, deu certo. Bolsonaro levantou-se, andou e, um ou dois dias depois da posse, chutou Magno Malta de volta para o limbo de onde ele nunca deveria ter saído – sem mandato, por não ter sido reeleito senador por seu estado, e sem o ministério que esperava ganhar por sua devoção. Dura perda para quem, um dia, sonhara até ser o vice de Bolsonaro.

Para Bolsonaro, aliado de campanha é uma coisa e, no governo, outra. E isso vale para todos os escalões. Sergio Moro e Paulo Guedes, por exemplo, eram decisivos para elegê-lo, daí os epítetos de superministro para o primeiro e de Posto Ipiranga para o segundo. Na prática, Bolsonaro tem se dedicado, com sucesso, a sabotar um e outro, com declarações que atrapalham que realizem seus projetos. Bolsonaro não vê a hora em que eles, tristinhos, peçam demissão.

Bolsonaro parece trabalhar contra si próprio, ao deixar que o Congresso derrube seus decretos, o Judiciário lhe faça cara feia e os militares se magoem com os insultos que recebem. Mas só parece. O que ele quer é que todos saiam da sua frente para que, dizendo-se incompreendido, possa governar com os filhos e “com o povo”, através das redes sociais.

Resta ver se combinou com o povo.

(*) Ruy Castro (1948-) é escritor, biógrafo, jornalista e colunista. Seus artigos são publicados em numerosos veículos.

Dê-me sua opinião. Evite palavras ofensivas. A melhor maneira de mostrar desprezo é calar-se e virar a página.