Aposta errada

Ruy Castro (*)

As forças que, há um ano, se juntaram para apoiar a candidatura de Jair Bolsonaro à Presidência devem estar se perguntando hoje se não teria sido melhor ficar com a primeira opção, o cabo Daciolo. Na época, ainda longe da largada, Bolsonaro e Daciolo, cada qual em seu box, pareciam focinho com focinho nas preferências. Ambos preenchiam os requisitos: eram carismáticos, primários e quase medievais.

A ideia era a de que qualquer um deles, se eleito, faria uma simpática figuração no Planalto enquanto o país seria gerido pelos profissionais – os quais, depois de milhares de reuniões-hora em suas instituições, já tinham tudo esquematizado: abertura, reformas, volta da economia. Ao presidente, caberia uma agenda que o manteria ocupado e à distância da única arma perigosa ao seu alcance: a caneta.

Mas, já na campanha, Daciolo começou a assustar os apoiadores. Em vez de prometer salvar o Brasil, fazia de cada 15 segundos na TV uma versão pocket do Sermão da Montanha. Sua voz, amplificada por anos de salmos em quartéis de bombeiros, era “assertiva” demais. E, pela frequência com que dava Glória ao Senhor Jesus, era como se tivesse o WhatsApp do homem e somente a Ele daria satisfações no mandato.

Os apoiadores voltaram-se então para Bolsonaro, com seu jeito de matuto simplório. No poder – pensaram –, enquanto ele brincasse de capitão dando ordens a generais, eles tratariam do país.

Bem, Bolsonaro foi eleito e fez o que eles não esperavam: resolveu usar a caneta. Diz os maiores absurdos, toma decisões irresponsáveis, provoca incêndios que o próprio governo tem de apagar, quer acabar com a educação e o ambiente, tem três filhos dementes e se deixa guiar por um esperto que está vivendo algo nunca sequer sonhado: dirigir o país por controle remoto. Resultado: erraram feio. Daciolo talvez fosse melhor – mesmo com Jesus Cristo como vice.

(*) Ruy Castro (1948-) é escritor, biógrafo, jornalista e colunista. Seus artigos são publicados em numerosos veículos.

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