Perfil e círculos

José Horta Manzano

Photo de profil 3Sou do tempo em que a gente, quando saía de férias, dava um jeito de evitar dar muita bandeira. Para despistar, cada um tinha seu método. Era imprescindível pedir a algum vizinho que esvaziasse a caixa de cartas a cada dois ou três dias. Caixa cheia dá na vista e assinala ausência de moradores.

Outra providência era instalar um temporizador que acendesse lâmpadas durante determinados períodos e – essa também era boa – botasse o rádio pra tocar a certas horas do dia. Luz e flashes intermitentes de tevê refletidos na parede também eram boa pedida.

Em resumo: fazia-se o possível para evitar que desconhecidos mal-intencionados se inteirassem da ausência e aproveitassem para assaltar a residência.

Photo de profil 2O mundo mudou. Mantenho respeitosa distância de redes sociais. Quando me perguntaram um dia se eu tinha «foto de perfil», imaginei que me estivessem falando daqueles retratos tirados de prisioneiros que dão entrada na carceragem: de frente e de perfil, e com escala graduada como pano de fundo.

Embora, pessoalmente, não me sinta atraído por círculos, rodas, clubes & afins, entendo que outras cabeças possam emitir outras sentenças. Muita gente gosta de relatar pequenos fatos do quotidiano – o que fez, o que pretende fazer, o que comeu, onde esteve, com quem conversou. Por que não? Se um tem prazer em contar e outro gosta de ficar sabendo, onde está o mal?

Pois o mal está no excesso. Já houve casos de gente que, descuidadamente, deixou vazar a informação de que estaria de viagem de tal a tal dia. Propagada, a notícia chegou a ouvidos de integridade duvidosa. Foi como entregar à raposa a chave do galinheiro. Sabendo que não perigavam ser surpreendidos pela chegada inopinada do morador, ladrões deitaram e rolaram.

by Gilberto César Terra, desenhista mineiro

by Gilberto César Terra, desenhista mineiro

«Do que a mão esquerda faz, a direita não precisa ficar sabendo.» Mesmo afastado do conceito original bíblico, o ditado serve para ilustrar o caso de hoje. Serve também em outras ocasiões. Em boca fechada, não entra mosca.

7 pensamentos sobre “Perfil e círculos

  1. Eu também tenho quase noventa por cento dessas cautelas, excetuados os truques luminosos. “É mais fácil um camelo passar pelo fundo de uma agulha, do que um rico ladrão entrar pela porta do meu humilde reino do céu doméstico”.

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  2. Jaciel,

    Se você conseguir fazer funcionar o televisor – em hora adequada – instalando um temporizador na tomada, vai obter o resultado. Quem olhar da rua terá a impressão de que a tevê está ligada.

    Ah, tem mais um ponto a não descuidar: convém grudar um aviso manuscrito na campainha dizendo «não funciona». Ladrão cuidadoso costuma tocar a campainha antes de forçar a porta.

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  3. Certamente, divulgar ao mundo seus planos, nunca deu muito certo. Tenho uma vizinha que anuncia ao bairro inteiro quando vai à praia, ao salão de beleza, ao restaurante… Falta sair de biquíni caso alguém ainda duvide de seu passeio, entre outros escândalos e agitos desnecessários, não originados somente nas redes sociais… mas, que, pela demonstração dessa vizinha, ela deve ser um furacão exibido e língua de trapo, nas tais redes…

    Os smartphones tem o tal gps que o usuário inocentemente pode querer usar para divulgar a origem dos seus posts… com mapa de localização exata de onde está… Bom, se ele costuma ser muito exibido, basta o ladrão seguir o mapa do tesouro.

    Quanto à imagem do “perfil”, respeito quem não tem, para mim, a foto de perfil pode ser facilmente substituída pela personalidade demonstrada dia a dia. Mas, é a curiosidade que nos fazer querer conhecer a cara de quem nos fala… Por outro lado, no caso de quem vive trocando a foto do perfil, existe a falsa crença de que isso o torna mais próximo às pessoas, mais aceito, que a imagem, parada, congelada, de um gesto, significa personalidade…

    Achei interessante as dicas para quem vai viajar. Toda cautela é pouca, para evitar a invasão do nosso “humilde reino do céu doméstico”, como disse o Jaciel, nos comentários.

    Não sei, mas, acho muito mais elegante, muito mais sociável, muito mais apreciável uma pessoa que saiba manter a discrição. Não somos o que temos. Mas, quem quiser ostentar, que se sinta orientado e calcule o custo x benefício.

    Grande abraço!

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    • Tem razão, Michèle, não são só as modernas redes sociais que propagam o dia a dia de cada um. Desde que o mundo é mundo, num tempo em que o homem nem havia inventado a escrita, o «diz que diz» já se encarregava de espalhar boa informação e fofocas.

      Contar um pouco, ainda vá. Contar demais, como tudo o que é excessivo, periga desandar.

      Melhor mesmo é seguir o conselho dado em 1947 por Herivelto Martins e Marino Pinto no belo samba-canção Segredo.

      “O peixe é pro fundo das redes
      Segredo é pra quatro paredes“

      Está aqui a gravação original na voz de Dalva de Oliveira:

      Abraço.

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